sábado, 1 de fevereiro de 2014

Indigência Musical...

                                                                             


Nas férias é que aproveitamos para fazer aquilo que mais gostamos. No meu caso é curtir uma boa leitura e ouvir rádio.Neste mês de janeiro,no Balneário de Piçarras, em Santa Catarina, aproveitei para colocar algumas leituras em dia, e, ouvir as emissoras catarinenses de AM e FM. Como durante muitos anos trabalhei como programador, presto muito atenção na qualidade do repertório musical. A constatação foi triste.
Estamos vivendo, sem dúvida, uma verdadeira indigência musical. Com exceção de duas FMs (Itapema e Antena1), as demais oferecem ao público uma verdadeira poluição sonora, formada por uma turma de massa encefálica oca, onde se destacam: Luan Santana, Michel Teló, Deize Tigrona, Mc Buiú, Bonde do Lambe Lambe, Naldo, Anitta, MC Leozinho, Tati Quebra Barraco, Bonde do Tigrão, Claudinho Nervoso, MC Alex, Os Magrinhos, Latino, MC Cris, João Lucas e Marcelo, Tchês disto e daquilo, Oba Oba Samba, João Neto e Frederico, Pixote, Banda Calypso, Calcinha Preta, Mateus Caetano, Munhoz e Mariano, João Bosco e Vinicius, Fernando e Sorocaba, Gabriel Valim, Thalles Roberto, NX Zero, Netinho de Paula, Exalta Samba, Belo, etc., enfim, música de quinta categoria.
As letras são sofríveis, de uma imbecilidade amazônica, machistas, que, via de regra, tornam os jovens mais alienados e violentos. A maioria, quando não exalta a truculência e o sexo gratuito, é na base do “tchê, tchê, rerê, tchê, tchê, tchu, tchã, parapapá, perê pepê”. Eis algumas pérolas: “Coisinha da mamãe na coisinha do papai, nove meses depois nasceu eu”; “As mina curte e bebe/as mina cai na farra/no meu som/ e curte e bebe/ se não agüenta pra’ que veio/curte, curte, curte e bebe”; “Meu carro é 3 em 1’/é carro, bar e cabaré”; “Patati, Patatá, não sou palhaço não/ Patati, Patatá eu vou te dar um balão”; “Eu gosto de você, você, você/ eu e a minha namorada/ a gente estava agarradinhos/ até que meu amor bebeu um copo de vinho/ ela perde o controle/ ela fica animadinha/ tá todo mundo olhando a minha patricinha/ tá chapada, tá doidona/ tá descendo até o chão/ eu to pagando mico/olha a situação/ e vai descendo, descendo/ e vai subindo, subindo”; “Nas baladas eu me perco/ eu não sei falar direito/ e quando eu to afim/timidez é meu defeito/vai ser melhor assim/trocou olhar ,pegou na mão, beijou na nuca, puxa, agarra e chupa”.
Os sertanejos são um capítulo à parte. O chamado “universitário” é uma verdadeira praga. As letras seguem o estilo “cervejada” e “cornice”. O título das músicas diz tudo: Fernando e Sorocaba: Mô. João Bosco e Vincius: Um lugarzinho na sua cama; João Lucas e Marcelo: Se beijar na boca dá sapinho; Ricardo e João Fernando: Bala Perdida. Agora, surgiu a música gospel para a alegria dos “obreiros”. Thalles Roberto, compôs uma pérola chamada Filho Meu. Um trecho da letra é de arrepiar os responsáveis pela balada segura e a Polícia Rodoviária: “Você tá dirigindo cego em alta velocidade/ daqui de cima eu vejo a pancada que vem/Então passa sua vida pro meu nome/Que eu assumo tudo, tudo, tudo”.
No final dos anos 1980 a música dos Titãs dizia: “A gente não quer só comida, quer também diversão e arte”. Infelizmente, a arte musical entrou em decadência, em seguida, nos anos 1990. Pagode de baixa qualidade, sertanejo, funk-brega, os tchês, caracterizados pela falta de criatividade, senso crítico, alienação. É um verdadeiro período de miséria na música brasileira. Qual a razão? A indústria cultural que substituiu aquilo que antigamente era chamado de arte. Afinal, o que não vira mercadoria? A música é uma mercadoria, e, como tal, necessita ampliar o seu mercado consumidor. Portanto, passamos a ter uma música descartável. No capitalismo, esta cultura descartável, faz parte da necessidade de lançar novos “produtos” com a maior rapidez. Assim, a transformação da música em algo descartável, apenas mostra que a lógica do lucro domina tudo, inclusive, a produção cultural, e isto explica a razão de seu progressivo e assustador empobrecimento.
Tanto a indústria cinematográfica quanto a musical ou literária, têm o mesmo propósito. Atingir a aura do capital ,servir ao seu valor de culto, afinal não há nada que escape (salvo exceções que confirmam a regra) da religião do capital. Será que alguém ainda pode ser romântico diante da Indústria? Quem conseguir se salvar do ideal do lucro é o único que terá vivido uma vida justa como artista. Para a minha geração que aprendeu ouvir Chico Buarque, Caetano, Gil, Gal, Milton Nascimento, Mutantes, Tom Jobim, Vinicius, MPB-4, Beth Carvalho, Raul Seixas, Martinho da Vila, Belchior, Gonzaguinha, Roberto Carlos, Elis Regina, João Bosco, Toquinho, Baden Powell, Noel Guarany, entre outros, é impossível suportar estes verdadeiros poluidores sonoros.
Não é,como já cantou Paulinho da Viola, no samba Argumento, “mania de passado, ou de não querer navegar”, é ,simplesmente, uma questão de sensibilidade, de estética e de bom gosto.

José Ernani de Almeida

Um comentário:

  1. Parabéns pela postagem e minha admiração ao escritor por tamanha sensibilidade e fluidez de palavras no desabafo.
    Adorei Ana e José Ernani

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