quarta-feira, 6 de julho de 2016

J.J.Camargo...

J.J. Camargo: "A civilização tem feito minguar a missão de ouvir"


Quantas pessoas você conhece que se dedicam a ajudar as pessoas sem receber nada por isso? Não se constranja de admitir se a resposta for nenhuma. Você está muito próximo da média, que é mesmo vizinha do zero. E se não bastasse a escassez, esses voluntários ainda têm a estranha tendência à discrição e ao anonimato.
Mas de qualquer modo sempre é gratificante descobrir que eles existem, e com frequência representam o último nicho de solidariedade para uma crescente legião de solitários e excluídos.
Um dos serviços mais antigos, o Centro de Valorização da Vida (CVV) chegou ao Brasil em 1962 e, oito anos depois, abria sua filial em Porto Alegre, a primeira fora de São Paulo. Em 1971, inaugurou o "corujão" para atendimento durante a madrugada, depois que se percebeu que as maiores depressões mal resistem à espera pelo novo amanhecer. No ano seguinte, com a ampliação do número de voluntários, foi possível implantar o atendimento 24 horas. E, desde então, eles estão lá, com a missão precípua de ouvir, um exercício de solidariedade que a civilização que se anuncia moderna só tem feito minguar.
Nenhuma dúvida de que este tipo de serviço é cada vez mais impulsionado pela solidão, essa doença que, por mais paradoxal que pareça, se generalizou apesar de os veículos de comunicação instantânea terem se popularizado. O curioso imprevisto é que todo mundo parece aberto à interação com seus semelhantes, desde que, naturalmente, não lhes peçam nada em troca.
O trabalho grandioso desse voluntariado não pode ser dimensionado pelos monitores habituais, exceto pela alegria renovada de cada um de seus membros quando, ao terminar uma conversa que pode durar horas, tem a impagável gratificação de que uma vida periclitante foi resgatada.
O nosso CVV completou recentemente 44 anos de atividade no RS. Foi emocionante encontrá-lo na praça da Redenção, com cerca de uma dúzia de voluntários, na comemoração do Dia do Abraço.
A prática do abraço público, iniciada há cerca de uma década, na Itália, se disseminou pelo mundo e conseguiu derrubar o formalismo japonês numa praça de Kyoto, e colocar um inusitado ar de afeto no povo amorfo de Toronto. Uma façanha!
Quem quiser entender por que aquele vídeo pioneiro já foi visitado por mais de 5 milhões de pessoas, entre no YouTube, digite "Free Hugs - Sondrio", e descubra o feito de um casal jovem com um cartaz que oferece abraços gratuitos, e vai progressivamente minando a resistência dos rígidos e dos tímidos e deságua num turbilhão de abraços sacudidos, ao belíssimo compasso de Hallelujah.
A emoção quase incontrolável está lá, à sua espera e, à semelhança dos abraços, também é de graça.

Flauta andina,,,


Dentro de um abraço...Martha Medeiros



Que lugar melhor para uma criança, para um idoso, para uma mulher apaixonada, para um adolescente com medo, para um doente, para alguém solitário?
 Dentro de um abraço é sempre quente, é sempre seguro. Dentro de um abraço não se ouve o tic-tac dos relógios e, se faltar luz, tanto melhor. Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço, se dissolve.
Que lugar melhor para um recém-nascido, para um recém-chegado, para um recém-demitido, para um recém-contratado? Dentro de um abraço nenhuma situação é incerta, o futuro não amedronta, estacionamos confortavelmente em meio ao paraíso.
O rosto contra o peito de quem te abraça, as batidas do coração dele e as suas, o silêncio que sempre se faz durante esse envolvimento físico: nada há para se reivindicar ou agradecer, dentro de um abraço voz nenhuma se faz necessária, está tudo dito.
Que lugar no mundo é melhor para se estar? Na frente de uma lareira com um livro estupendo, em meio a um estádio lotado vendo seu time golear, num almoço em família onde todos estão se divertindo, num final de tarde de frente para o mar, deitado num parque olhando para o céu, na cama com a pessoa que você mais ama?
Difícil bater essa última alternativa, mas onde começa o amor, senão dentro do primeiro abraço? Alguns o consideram como algo sufocante, querem logo se desvencilhar dele. Até entendo que há momentos em que é preciso estar fora de alcance, livre de qualquer tentáculo. Esse desejo de se manter solto é legítimo, mas hoje me permita não endossar manifestações de alforria. Entrando na semana dos namorados, recomendo fazer reserva num local aconchegante e naturalmente aquecido: dentro de um abraço que te baste.

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A civilização precisa de guerreiros... Cláudia Laitano



A civilização precisa de guerreiros...

Cena 1: Domingo, 10 de agosto, Beira-Rio, Gre-Nal. Um grupo de torcedores do Grêmio puxa um grito de guerra macabro, espantoso até mesmo para os padrões de violência verbal tolerados no futebol. Os dois filhos menores de Fernandão estão no estádio.
É o primeiro Dia dos Pais depois do acidente que matou o jogador.
Cena 2: Terça-feira, 12 de agosto. Fãs do mundo inteiro recebem a notícia de que o ator Robin Williams tirou a própria vida. "Carpe diem", dizia um de seus personagens mais memoráveis, "aproveite o dia", e para a maioria de nós é difícil aceitar que um ator tão inspirador e cheio de energia em cena pudesse, privadamente, estar lutando contra a depressão. Na madrugada de quarta-feira, sua filha Zelda deleta todas as suas contas em redes sociais. Ela havia recebido imagens manipuladas que simulavam o estado em que o corpo de Robin Williams foi encontrado pela polícia.
Cena 3: Quarta-feira, 13 de agosto, início da tarde. A morte do candidato Eduardo Campos em um acidente aéreo, em Santos, é confirmada. Humor negro, ofensas, bizarras teorias conspiratórias e pueris charadas com o número 13 tomam conta da rede antes mesmo de se entender o que tinha acontecido e quem mais estava no avião. Em Recife, os filhos adolescentes do ex-governador comunicam-se com os amigos por meio dos seus smartphones. O inominável está a um clique de distância.
Cena 4: Quinta-feira, 14 de agosto, Zero Hora, página 36. Reportagem da jornalista Larissa Roso apresenta aos adultos o aplicativo Secret, que se tornou popular entre os adolescentes nas últimas semanas. Criado originalmente para que os usuários trocassem segredos sem se identificar, o aplicativo está sendo usado como ferramenta de bullying. Colegas expõem e humilham outros colegas, pública e anonimamente, espalhando medo e ansiedade nas escolas.
Não acredito que a humanidade melhore ou piore com o tempo. Na média, não somos mais sensatos que os nossos netos nem mais cruéis que os nossos avós. O que existe são ambientes e circunstâncias que nos inclinam a obedecer ao lado mais irracional e egoísta da nossa natureza — seja pela sensação de impunidade, seja porque nos sentimos de alguma forma ameaçados pelo outro. Na arquibancada, protegido pelo anonimato, é possível que um torcedor pense e aja como um animal numa manada — bovinamente cruel. O diálogo nas redes sociais, anônimo ou não, também favorece essa desumanização. Quando o outro é visto como inimigo ou como um ser abstrato, sem identidade ou sentimento, é fácil comportar-se como um humanoide na selva disputando o lugar mais alto na árvore ou o último naco de carniça.
Não sou pessimista. Não acho que estamos marchando para o colapso da civilização, mas cada vez mais acredito que a razão, a tolerância, a empatia, a generosidade, a humanidade não precisam apenas de defensores ou simpatizantes.
A civilização, mais do que nunca, precisa de guerreiros.
Cláudia Laitano