quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Cruel Pedagogia...



Do alto de seus vinte anos, os jovens contemplam a vida como quem, do alto de uma montanha, observa, extasiado, o mundo ao seu redor. Horizontes amplos, infinitas trilhas e 360 graus de possibilidades. Nessa idade, eu me lembro muito bem, a vida é eterna e a esperança infinita. Só os avós morrem quando se tem vinte anos. O velório de um jovem é inconcebível ruptura com a ordem natural. Contudo, a morte espreita a juventude com olhos cobiçosos. Enquanto os idosos morrem porque chegou a hora, porque dar adeus à vida terrena é próprio da velhice, os jovens morrem de infinitas maneiras, revelando inesperada vulnerabilidade.

Idosos morrem porque não podem alterar o curso da vitalidade que se extingue. Jovens, porém, morrem desnecessária e superfluamente, por motivos que poderiam ser evitados. Essa é a tragédia das tragédias cotidianas. Ir-se assim, sem que nem porquê? Jovens morrem nas ruas, nas estradas, nas brigas entre gangues, na lenta e dolorosa morte das drogas, nas madrugadas onde a violência espreita, nas infames brigas por motivos fúteis. Morrem nas aventuras e travessuras, na terra, na água e no ar. Por isso pais e mães carregam no peito uma incompreendida e permanente aflição. A respiração para quando o telefone toca e para quando o telefone não toca. Paranóicos, nós? Não, não. Simplesmente pais cuidadosos de filhos incautos, que creem haver bebido a imortalidade no cálice da juventude.

As grandes catástrofes carregam em seu script uma pedagogia brutal. Há nelas uma lição sobre o que não fazer. Sua dissonante partitura se faz com notas que pedem atenção e reflexão. Desafortunadamente, numa espécie de autodefesa, cerramos os olhos e os ouvidos. E pouco aprendemos com as lições que nos vêm dos sinistros e dos escombros.

Por isso escrevo com a esperança de que a crudelíssima pedagogia dos fatos do dia 27 mostrem aos nossos jovens que nós, os pais, não somos coroas paranóicos a vislumbrar perigo ali onde tudo indica morar a felicidade e a alegria. Por isso escrevo confiando em que os jovens não pressuponham que as autoridades fazem sempre, em toda a parte, tudo que lhes compete para garantir a sua segurança. Não! Muitas vezes é o contrário. Por isso escrevo desejando que os jovens, diante de tão sofrida experiência, valorizem o dom maravilhoso da vida como uma dádiva frágil a exigir prudência e atenção. As alegrias dos filhos serão maiores e as aflições dos pais serão menores se, doravante, filhos e pais forem severos fiscais da própria segurança onde quer que estejam.


(Percival Puggina)

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Dia da Saudade...



No dia 30 de janeiro é comemorado o dia da saudade, essa palavra existe apenas na língua portuguesa e galega e serve para definir o sentimento de falta de alguém ou de algum lugar.

De origem latina, saudade é uma transformação da palavra solidão, que na língua escreve-se “solitatem”. Com o passar dos anos, assim como outras palavras se transformam de acordo com as variações da pronúncia, solitatem passou a ser solidade, depois soldade e, finalmente, saudade.
                                                                    
Podemos considerar que no dia da saudade as pessoas se dedicam às lembranças de seus entes queridos que estão ausentes, de fatos que viveram ou de lugares e objetos que marcaram suas vidas. Isso faz com que a palavra saudade se torne melancólica, trazendo certo sofrimento.

Saudade é também definida como “a sensação de incompletude, ligada à privação de pessoas, lugares, experiências, prazeres já vividos e vistos, que ainda são um bem desejável”, segundo o dicionário Veja Larousse.

Em outras línguas não existe uma palavra capaz de traduzir o significado amplo de saudade, mas algumas delas trazem conceitos próximos, mas não tão nobres. Em inglês, saudade é “I miss you” que quer dizer sinto sua falta; em Francês “souvenir”, que significa lembrança; em italiano “ricordo affetuoso”, recordação afetuosa; em espanhol “recuerdo ou te extraño mucho, que significam lembrança e sinto falta, respectivamente.

Ao longo da história podemos perceber a saudade nas músicas e nos poemas, desde longos anos. Charlie Chaplin diz: “Sorri quando a dor te torturar e a saudade atormentar os teus dias tristonhos vazios”; Luis Fernando Veríssimo determina que “não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar”; Vinícius de Moraes e Tom Jobim cantaram a saudade dizendo: “Chega de saudade, a realidade é que sem ela não há paz, não há beleza é só tristeza e a melancolia que não sai de mim, não sai de mim, não sai”.

Os sertanejos também retratam muito a saudade, pois deixam o campo para trabalhar na cidade. Chitãozinho e Xororó falaram da saudade retratando que “por nossa senhora, meu sertão querido, vivo arrependido por ter deixado. Esta nova vida aqui na cidade, de tanta saudade, eu tenho chorado”.

E o rock não podia deixar de se manifestar sobre o tão nobre sentimento. Raul Seixas registrou sua expressão na letra que diz “hoje é feriado, é o dia da saudade, hoje não tem aula pra garotada, velhas de varizes na calçada, só na saudade”.
Por Jussara de Barros

O marinheiro e o camponês



Durante mais de 30 anos, meu pai trabalhou em uma grande loja de departamentos chamada Hermes Macedo. Se aquele prédio na esquina da Alberto Bins com a Coronel Vicente fosse um reino – e para mim era –, meu pai seria o soberano, e eu sua única princesa.

Loja de departamentos era aquele negócio com a ambição cosmogônica de contemplar todas as necessidades de consumo que um crediário é capaz de abarcar. Na HM, compravam-se calcinhas e geladeiras, bicicletas e relógios, pneus e anáguas, lanchas e todos os seus acessórios, sofás e passadores de cabelo. Como a família real morava em apartamento, a Hermes Macedo era meu parque, minha Disney, meu reino das águas claras.

Ali, eu podia pular em todos os sofás, testar todos os brinquedos e, mais radical de todas as aventuras, subir correndo a escada rolante no sentido contrário. Na Hermes Macedo, iniciei e encerrei minha carreira de modelo infantil cometendo um ousado strip-tease na passarela, sentei no colo do Papai Noel pela primeira e última vez – e chorei, acalentei todas as bonecas, pedalei todas as bicicletas sem nunca sair do lugar.

Tudo porque meu pai trabalhou quase a vida inteira em um único emprego – e para mim, na infância, era como se ele tivesse nascido ali e fosse morrer ali também. (Anos mais tarde, ele acabou morrendo no trabalho, mas não na HM, que já havia falido, mas no escritório onde se empregou para completar a modesta aposentadoria que se pagava aos soberanos das lojas de departamentos naquela época.)

Em um texto clássico sobre a arte de contar histórias, Walter Benjamin divide a habilidade de narrar em dois grandes arquétipos: o do marinheiro e o do camponês. O marinheiro viaja, enfrenta perigos, estende horizontes com o relato de suas aventuras. O camponês é o depositário da tradição, das narrativas que tornam um lugar único em relação a todos os outros. O marinheiro é espaço, o camponês é tempo.



Meu pai foi o camponês urbano que nunca saiu do mesmo lugar. Se tivesse sido um piloto da Varig, um capitão da Guarda Costeira, um mascate de tecidos, é provável que tivesse me ocorrido perguntar mais sobre as coisas que tinha visto, os personagens exóticos, as paisagens distantes.

Hoje me arrependo de não ter usado o tempo que tivemos juntos para perguntar mais sobre a cidade de onde ele nunca saiu, sobre as esquinas que conhecia desde sempre, sobre as pequenas e grandes intrigas daquele reino aparentemente indestrutível que se desfez antes mesmo de eu chegar à vida adulta.

Dizem que os garotos de hoje têm pavor da ideia de trabalhar a vida inteira no mesmo lugar e que a carreira estável não tem o apelo que tinha nos tempos do meu pai. E é verdade. Mas o fato é que a jornada aventurosa do marinheiro sempre foi mais sedutora do que a estabilidade, mesmo quando ser camponês parecia mais sensato.

Eu mesma, se tivessem me perguntado, talvez respondesse que preferiria visitar todas as capitais da Ásia a morar sempre na mesma cidade, fazendo a mesma coisa todos os dias e vendo as semanas virarem meses, e os meses se agruparem em anos.

Não foi bem o que aconteceu. Esta semana, comemorei inacreditáveis 25 anos lavrando metaforicamente o mesmo pedaço de terra, na mesma esquina da Erico com a Ipiranga onde comecei a trabalhar antes mesmo de decidir ser jornalista. Sou, como meu pai, uma camponesa.

O que marinheiros e camponeses acabam percebendo depois de algum tempo é que há sempre algo novo a se descobrir na paisagem de todos os dias, assim como algo que se repete naqueles lugares onde nunca estivemos antes.

A única aventura realmente inesgotável talvez seja aquela de poder fazer o que se gosta. Assim na terra como no mar. 

 (Cláudia Laitano)

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

As boas coisas da vida...

                                                             




Uma revista mais ou menos frívola pediu a várias pessoas para dizer as “dez coisas que fazem a vida valer a pena”. Sem pensar demasiado, fez esta pequena lista:

- Esbarrar às vezes com certas comidas da infância, por exemplo: aipim cozido, ainda quente, com melado de cana que vem numa garrafa cuja rolha é um sabugo de milho. O sabugo dará um certo gosto ao melado? Dá: gosto de infância, de tarde na fazenda.

- Tomar um banho excelente num bom hotel, vestir uma roupa confortável e sair pela primeira vez pelas ruas de uma cidade estranha, achando que ali vão acontecer coisas surpreendentes e lindas. E acontecerem.

- Quando você vai andando por um lugar e há um bate-bola, sentir que a bola vem para o seu lado e, de repente, dar um chute perfeito – e ser aplaudido pelos servente de pedreiro.

- Ler pela primeira vez um poema realmente bom. Ou um pedaço de prosa, daqueles que dão inveja na gente e vontade de reler.

- Aquele momento em que você sente que de um velho amor ficou uma grande amizade – ou que uma grande amizade está virando, de repente, amor.

- Sentir que você deixou de gostar de uma mulher que, afinal, para você, era apenas aflição de espírito e frustração da carne – a mulher que não te deu e não te dá, essa amaldiçoada.

- Viajar, partir…

- Voltar.

- Quando se vive na Europa, voltar para Paris, quando se vive no Brasil, voltar para o Rio

- Pensar que, por pior que estejam as coisas, há sempre uma solução, a morte – o assim chamado descanso eterno.

Em defesa das flores...

                                                                         

“Quero lhe fazer um pedido”, disse a voz afeminado no outro lado da linha. Era uma voz agradável,musical,firme – de uma mulher ainda jovem. “Sim?” – eu perguntei de forma lacônico-psicanalítica, não sem uma pitada de medo. Muitos pedidos estranhos me são feitos. “Eu queria que o senhor escrevesse uma crônica em defesa das flores …” – Sorri feliz. As flores fazem parte da minha felicidade. Do outro lado da linha estava uma pessoa que amava as flores como eu. Na minha imaginação apareceram campos floridos: tulipas,girassóis, margaridas, trevos (sim, essa praga!).
Versinho da Emily Dickinson:
Para se fazer uma campina
É preciso um trevo!
Uma abelha, um trevo e fantasia …
Mas faltando abelhas,
Basta a fantasia …
Sim, com trevos se fazem campinas floridas! -qualquer tipo de flor vale a pena …Aí ela se explicou: “Tenho dó das flores nas coroas funerárias. Eu queria que algo fosse feito paraprotegê-las, para impedir que aquele horror se fizesse a elas. “Minha imaginação passou das flores livres dos campos para as flores torturadas dos velórios.Concordei com a Carolina (esse era o nome da mulher -jovem de oitenta anos). Não conheço nada de maior mau gosto que os velórios. Ali tudo é feio. Tudo é grosseiro. As urnas funerárias – falta a elas asimplicidade de linhas. Parecem-se com essas mulheres que se cobrem de bijuterias – pensando que assim ficam bonitas. Os suportes metálicos, então, são horrendos. O saguão do velório do Cemitério da Saudade, até a Última vez que fui lá, estava cheio de frases graves e amedrontadoras do tipo: “Eterno e silencioso é o descanso dos mortos.” Que coisa horrível! Pior que as piores visões do inferno! No inferno pelo menos há movimento. Mas no tal descanso eterno tudo é silencioso. A música e os risos estão proibidos. Eu ficaria louco na hora, teria impulsos suicidas. Mas a desgraça é que, estando eu já morto, me seria impossível dar cabo de minha vida.Aos múltiplos horrores estéticos junta-se o horror das coroas de flores. Comparem a beleza de uma flor, uma única flor, um trevo azul de simetria pentagonal,com o horror de uma coroa. Olhando para a florinha do trevo meus pensamentos ficam leves, flutuam. Olhando para uma coroa meus pensamentos ficam pesados e feios. Numa coroa todas as flores deixam de ser flores.Elas não mais dizem o que diziam. Não mais são o que eram. Amarradas, contra a vontade, num anel artificial,do qual pendem fitas roxas com palavras douradas.São, as coroas, de uma vulgaridade espantosa. Ali as não-flores só servem de enchimento para os nomes. Eu tenho uma teoria para explicar o horror estético dos velórios. Quem me instruiu foi a Adélia Prado. Diz ela: No cemitério é bom de passear. A vida perde a estridência, o mau gosto ampara-nos das dilacerações.E eu que nunca havia pensado nisso, na função terapêutica do mau gosto! Nem Freud pensou. A gente vai lá, com a alma doída, coração dilacerado de saudade, e o mau gosto nos dá um soco. A saudade foge, horrorizada, por precisar da beleza para existir – eo que fica no seu lugar é o espanto. Pronto! Estamos curados! O mau gosto exorcizou a dilaceração. Foi precisamente isto que aconteceu com uma amiga minha. Foi ao velório de uma pessoa querida para chorar. Aí o oficiante (se foi padre ou pastor não vou dizer) começou a falar. E as coisas que ele disse foram de tão horrível mau gosto que sua alma foi se enchendo de raiva por ele, e a dor pela amiga morta se foi.Os velórios são ofensas estéticas que se fazem aos mortos. Velórios deveriam ser belos. Camus, no seu estudo sobre o suicídio, diz que o suicida prepara o seu suicídio como uma obra de arte. Não sei se isso é verdade. Mas sei que cada um deveria preparar o seu velório como uma obra de arte.“Beber o morto” – essa é a expressão que se usa em algumas regiões do Brasil para designar o ato de beber um gole de pinga em homenagem ao falecido.Costume certamente inspirado na eucaristia, que é o ritual qual se serve a beleza que o morto gostaria de servir.Os vivos, amigos, têm de garantir que a sua vontade seja realizada.Um conhecido, nos Estados Unidos, doou o seu corpo para a escola de medicina. Então, não haveria nem velório nem enterro. Ele – malandro – deixou uma soma de dinheiro para um jantar oferecido aos seusamigos. Eles se reuniram, comeram, beberam,conversaram, riram e choraram pela vida do amigo querido. Outro, também nos Estados Unidos, morreu no outono. No outono as folhas das árvores ficam vermelhas e amarelas, antes de caírem das árvores,mortas. O outono anuncia o velório do ano com uma beleza que não pode ser descrita. Pois ele pediu queseu ataúde fosse simples, rústico, tábuas nados as de pinheiro, que a sua esposa cobriu com um lençol branco em que folhas de outono, vermelhas e amarelas, haviam sido costuradas.Um velório deveria ter a beleza do outono, toda a beleza do último adeus. Os oficiantes teriam de ser os melhores amigos. Que sabem os profissionais dareligião da beleza que morava naquele corpo? Quanto a mim, não desejo ser enterrado em ataúde. Sofro de claustrofobia. A idéia de ficar trancado numa caixa me causa arrepios. Acho a cremação um lindo ritual. Neruda declarou que os poetas são feitos de fogo e fumaça. As cinzas, soltas ao vento, lançadas sobre o mar, colocadas ao pé de uma árvore, são símbolos da leveza, da liberdade e da vida. Teria de haver música,do canto gregoriano ao Milton. E poesia. Nada de poesia fúnebre. Cecília Meireles para dar tristeza. Fernando Pessoa para dar sabedoria. Vinicius deMoraes para falar de amor. Adélia Prado para fazer rir. E Walt Whitman para dar alegria. E comida. De aperitivo, Jack Daniel’s. Ainda vou contar a estória do Jack – estória de amizade. Comida de Minas. De entrada, sopa de fubá com alho, minha especialidade. Depois, frango com quiabo, angu e pimenta, a mais não poder. E, de sobremesa, minhas frutas favoritas, se sua estação for: caqui, manga, jabuticaba, banana-prata bem madura.Coroas de flores mortas, nem pensar! Pedirei aos que me amam que semeiem flores em algum lugar – um vaso, um canteiro, a beira de um caminho. Se não for possível, que distribuam pacotinhos de sementes entre as crianças de alguma escola, entre os velhos de algum asilo. E, se for possível, uma árvore. Ah! Que linda prova de amor é plantar uma árvore para que alguém amado, ausente, possa se assentar à sua sombra.Se você for primeiro do que eu, Carolina, prometo:não mandarei coroa. Mas plantarei uma flor.



                                                  (Rubem Alves)

Mike Rowland...







                                                                                   

sábado, 26 de janeiro de 2013

Clarice Lispector...



"... Sou como você me vê.
Posso ser leve como uma brisa,
ou forte como uma ventania.
Depende de quando e como você me vê passar!..."



                                                                      

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Um Verão Bem Saudável...

                           



     Os Maias estavam errados. O calendário da extinta civilização
estava equivocado e o mundo não acabou em dezembro de 2012.
Brindemos então! Para nós, habitantes do hemisfério sul, a continuidade da vida pode ser comemorada com a chegada do verão. Que tal essa sequência de “ss”: Sol, sombra, suco, salgados, siri na casca e semana sem segunda, somente sexta a sábado? Sono na medida certa. Suor pra manter a forma. Simpatia em novas conquistas e sensibilidade nos relacionamentos. O suficiente para saborear a calorosa estação sufocante.
    É claro que saúde é indispensável! Servir sempre saladas, sorrisos, gargalhadas e sal só em pitadas. Mar, piscina, balneário, rio e lagoa. Banheira, banho de chuva e de mangueira. Água em quantidade para beber, molhar e hidratar. Aproveite o período de férias escolares e quem sabe até de férias do trabalho para rever amigos, praticar atividades físicas e degustar as delícias da estação. Sim, e são muitas. Frutas deliciosas, sucos saborosos e comidas leves caem muito bem.
     E quanto aos Maias. Bem! Eles nada entendiam de corpos bronzeados, biquínis, guarda-sol e férias. Não é?

                                        (Flávio Gonçalves)

Yolanda...


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Suicídio e recato...

                                                              

Suicídio não casa bem com dias de verão, mas hoje acordei sem saber como preencher a tela em branco e, não possuindo o talento de Rubem Braga, de quem se dizia “quando ele tem assunto, é ótimo, e quando está sem assunto, é fenomenal”, me rendi a esse tema delicado, difícil, mas que também faz parte da vida.

Dois acontecimentos me trazem até aqui. O primeiro foi ter assistido ao impactante Amor, filme do qual já se celebrou tudo: a excepcional atuação do casal protagonista, o realismo da história e a transcendência de um sentimento que não se revela apenas nas trocas de carinho, mas na compreensão profunda um do outro.

Anne, interpretada pela magnífica Emmanuelle Riva (fará 76 anos no dia da entrega do Oscar, que lhe deem esse merecido presente), sofre um derrame e fica com um lado do corpo paralisado, e a doença se agrava com o passar dos dias, degradando-a, retirando dela não apenas os movimentos, mas também boa parte da consciência. Só lhe resta esperar pela morte, enquanto vê seu marido dedicar dias e noites a atendê-la em todas as suas necessidades, absolutamente todas.

Quem não desejaria, nessa situação, antecipar o desfecho? Sem nem mesmo conseguir expressar-se pela fala, ela decide fechar a boca e recusar o alimento que lhe dão, numa atitude patética, mas ao mesmo tempo política: é seu ato solitário de protesto. Que, claro, não funciona, por falta de resistência. A morte exige uma bravura mais radical.

Tão radical quanto a de que foi capaz o grande Walmor Chagas, um homem de forte personalidade que conduziu sua vida sem fazer concessões, e que saiu dela atendendo sua própria vontade, como lhe era peculiar. Aos 82 anos, enxergando muito mal, já precisando de ajuda para realizar tarefas corriqueiras, fez sua opção. Com toda a consideração ao sentimento dos familiares e amigos, reconheçamos: em casos bem específicos, como o dele, há uma certa dignidade no suicídio.

Não estou encorajando ninguém ao ato. É uma tragédia. Principalmente quando realizado por jovens, que geralmente o fazem por uma dor momentânea que os leva ao impulso, sem conjecturar sobre a longa existência pela frente. Quando falo em “casos bem específicos”, me refiro à tentativa da personagem Anne, ao Walmor Chagas e até ao próprio Rubem Braga, que, aos 77 anos, sabedor de que tinha um tumor na laringe, preferiu não operar nem tratar quimicamente.

Dias antes da sua morte, recebeu os amigos mais chegados em casa, e logo depois morreu sedado num quarto de hospital – sozinho, como pediu. Não foi uma morte provocada, mas teve a participação do principal envolvido, que se deu o direito de escolha.

Nenhuma morte é bonita. E é nosso dever tentar impedir ações deliberadas de partir, se estiver ao nosso alcance. Não estando, só nos resta respeitar aqueles que o fizeram não por tristeza, não por covardia, não por desequilíbrio emocional, mas, estando com uma idade avançada, sentindo o corpo e a mente deteriorarem-se e perdendo a capacidade de tomarem conta de si mesmos, o fizeram por pudor.

                                                     (Martha Medeiros)

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O tempo de uma fotografia...

                                                                                 

Não era nem ontem, e nós éramos um rostinho inocente posando para um retrato escolar. Olhinhos apertados, espertos, ávidos por ver a vida crescer. Crescemos nós. Já no mundo adulto, aquela foto da escola perdeu-se em alguma caixa parda que guarda fotografias do tempo em que elas eram reveladas. Eram aguardadas no suspense de seu conteúdo. Havia prazer em esperar. Fala-se disso:

_ As fotos ficaram boas? _ Vem aqui em casa pra ver!. Diálogos dos século passado.O mundo adulto, hoje, é cheio de pressa. Nem bem viveu-se algo, e esse algo já foi postado em alguma rede. Desfruta de uns segundos de visibilidade, para depois perder-se, em memórias cibernéticas. Será que as crianças de hoje ainda tiram fotos do tipo grupinho escolar? Todas as carinhas reunidas, professora do lado, e um fotógrafo gorducho mandando fazer xis.Não há muito tempo para esperas e aguardos. Hoje, é tudo para hoje. Será que no meio de tanta aceleração, dá tempo de se perguntar onde estarão aqueles meninos e meninas do nosso retrato escolar? Caminhos que nos engolem enquanto tentamos acrescentar alguns minutos à mais nas nossas horas corridas, e lá se foram os nossos primeiros melhores amigos.

A que se presta esta nostalgia? Serventia prática, nenhuma! Pensamentos miúdos não se prestam. Eles prezam. Prezam alguma coisa de valor que vai se perdendo pra não se perder tempo, e que podia ‘não’.

Podia-se não perder contato com as pessoas queridas.Podia-se responder os e-mails com muito mais palavras.Podia-se telefonar ao invés de encurtar tudo por sms.Podia-se ganhar da preguiça e chamar amigos pra um jantarzinho.Podia-se ultrapassar o tédio e organizar uma viagem.Podia-se fazer mais visitas, pra se ver ao vivo e à cores.Podia-se escrever uma carta, pra lembrar da própria caligrafia.Podia-se largar mão de artificialidades e conversar com mais vontade.Podia-se deixar pra lá a vaidade, e expor os sentimentos com mais verdade.Podia-se deixar o orgulho de lado e procurar reacender os afetos congelados.Podia-se dar um tempo aos formalismos das relações, e sair por aí, abraçando os outros,beijando os outros, olhando nos olhos dos outros…

Podia-se redescobrir aquele amigo, daquele tempo, e surpreender…

Em meio à tantas metas e prazos, a gente sabe que é na companhia do outro, na intenção e na atenção dedicados à amizade e ao encontro que a vida faz sentido. Sem perder tempo com as miudezas que importam, perdemo-nos todos. Perdidos e acelerados, periga que um dia, a gente não se ache mais.

‘Ultimamente têm passado muitos anos.’
Rubem Braga

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Permita-se






Cada dia é um novo dia
Jamais um dia será igual a outro
Por isto não perca a chance
De se dar uma nova oportunidade

A cada dia permita-se ser melhor
Pois este dia
E estas oportunidades
Não se repetem

Conserte o mundo a partir de você
Nunca a partir dos outros
O mundo só será melhor se você melhorar

Os dias serão mais belos
Se você se permitir novas chances
Se você perceber
Que a sua felicidade está em suas próprias mãos.

(Mário Feijó)

domingo, 20 de janeiro de 2013

Rachel de Queiróz

                                                                                       

           

Eis que temos aqui a Poesia,
a grande Poesia.
Que não oferece signos
nem linguagem específica, não respeita
sequer os limites do idioma.
Ela flui, como um rio.
Como o sangue nas artérias,
tão espontânea que nem se sabe como foi escrita.
E ao mesmo tempo tão elaborada -
feito uma flor na sua perfeição minuciosa,
um cristal que se arranca da terra
já dentro da geometria impecável
da sua lapidação.
(...)
Rachel de Queiroz

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Em Defesa das Árvores...


                                                                                
Estava eu na sala de espera do meu médico trabalhando absorto no meu laptop para matar o tempo, os “oclinhos” de ver perto na frente dos olhos, ao longe tudo era um borrão quando, de repente, um borrão alto se colocou à minha frente, baixei os “oclinhos” para ver à distância: era um homem que conheci menino, de precoce vocação científica, posto que menino ainda, se comprazia em experimentos incendiários com gases mal cheirosos. Depois dos cumprimentos de praxe e sem mais delongas ele disse: “Rubem, escreva uma crônica em defesa das árvores.” Havia indignação em sua voz e ele relatou:

“Havia, no terreno do meu vizinho, um ipê maravilhoso, árvore muito velha, tronco grosso, que anualmente produzia uma floração cor-de-rosa, para espanto e felicidade de todos. Pois, sem maiores avisos, o tal vizinho cortou o ipê. Fiquei indignado e fui saber das razões do assassinato. Que mal lhe teria feita aquela árvore mansa? E ele me explicou que as raízes do velho ipê estavam rachando o seu muro de tijolos e argamassa. Um ipê que leva cinqüenta anos para crescer cortado por causa de um muro que se constrói num dia! Aí lhe perguntei: “Por que não me falou? Eu teria pago a reconstrução do seu muro…”

E concluiu: “Você escreve uma crônica?” Tive uma reação desanimada. Lembrei-me das palavras tristes do Vinícius no seu poema “O Haver”, em que fala da “sua inútil poesia”. Sinto assim, de vez em quando, que aquilo que escrevo é inútil. Os que têm poder nem lêem e se lêem não levam a sério. As razões que movem a política são as razões dos machados e das serras; não são as razões da beleza. Escrever, para quê? Para sensibilizar o vizinho que gosta mais de um muro que de um ipê? O que eu escrevesse só encontraria eco naqueles que amam mais os ipês que os muros. Mas, nesse caso minha escritura seria desnecessária. E para os que amam mais os muros que os ipês ela seria inútil. Aí me lembrei de um poema de Chuang-Tzu, escrito séculos antes de Cristo: “Eu sei que não terei sucesso. Tentar forçar os resultados somente aumentaria a confusão. Não será melhor desistir e parar de me esforçar? Mas, se eu não me esforçar, quem o fará?” As palavras do sábio foram uma repreensão ao meu desânimo. Comecei a pensar. Lembrei-me de fato semelhante acontecido na minha rua. Havia um ipê amarelo que florescia no mês de julho. O chão ficava dourado com suas flores. Mas a dona da casa em frente ao ipê e a sua incansável vassoura deram o nome de “sujeira” ao dourado das flores caídas.

E, um belo dia, a árvore amanheceu com um anel cortado na sua casca. As veias pelas quais sua seiva circulava haviam sido seccionadas durante a noite. O ipê morreu. A vassoura triunfou. Há pessoas cujas idéias nascem da vassoura. Visitando um amigo que mora num condomínio rico de Campinas alegrei-me vendo que ele era todo arborizado com magnólias. As flores das magnólias são quase insignificantes. Mas o perfume é maravilhoso. Quem respira o perfume de uma magnólia tem a alma tocada pelo divino. Aí o meu amigo apontou para uma casa do outro lado da rua. Lá não havia magnólias. E explicou: “A dona da casa disse que dava muito trabalho varrer as folhas que caíam no chão.” Agora mesmo, a um quarteirão de onde escrevo, havia três daquelas árvores que se chamam “Chapéu de Sol”, de folhas largas e sombra generosa. Pois a dona da casa mandou cortar todos os galhos das três, ficando só os toquinhos. Ficaram parecidas com cabides de pendurar chapéu. Mas as árvores não guardam rancor. Trataram de continuar a viver - e nos toquinhos surgiram brotos verdes, como um gesto de perdão. Percebendo que as árvores insistiam em viver, ela mandou que todos os brotos fossem arrancados.
Quando as serras da CPFL mutilaram as velhas paineiras da Orosimbo Maia, que todos amavam, houve uma onda de indignação que ocupou as manchetes do Correio Popular.


Pois um leitor escreveu aborrecido porque o jornal perdia tanto tempo com uma coisa sem importância como árvores. O prazer em cortar árvores, me parece, está ligado à volúpia do poder. Quem corta, tortura ou mata experimenta o prazer de exercer poder sobre o mais fraco. Mas acho que o prazer em cortar árvores está ligado a uma coisa mais sinistra. Suspeito que estejamos vivendo um momento de metamorfose da nossa condição humana. Até agora temos sido habitantes do mundo da vida. Nosso habitat é constituído por florestas, animais, rios e mares. Somos seres biológicos, corpos. Mas agora estamos mudando de casa. Estamos trocando nossa casa biológica por uma outra casa eletrônica.

Faz tempo fiz a travessia dos lagos andinos - cenários maravilhosos, entre lagos, vulcões e florestas - passando por Bariloche e terminando em Buenos Aires. Em Bariloche fiquei conhecendo um casal que fazia o mesmo percurso com dois filhos adolescentes. Fui reencontrá-los numa das ruas centrais de Buenos Aires. “Graças a Deus estamos aqui!”, me disse o marido. “Já não aguentávamos mais: só lagos, montanhas e árvores. Aqui, felizmente, temos os videogames.” Virei Hulk na mesma hora e lhe disse: “Tomaram a excursão errada. Seu destino era Las Vegas!” Mas eles nada mais fizeram que expressar de forma grosseira o que já ficou normal. Nenhum adolescente troca um vídeo game por jardinagem. Nos filmes de ficção científica do tipo “Guerra nas Estrelas” que emocionam milhões não há árvores: somente máquinas com inteligência eletrônica. Nossas inteligências estão cada vez mais ligadas aos vídeos e computadores e cada vez mais distantes da natureza. Há crianças que nunca viram uma galinha de verdade, nunca sentiram o cheiro de um pinheiro, nunca ouviram o canto do pintassilgo e não têm prazer em brincar com terra. Pensam que terra é sujeira. Não sabem que terra é vida. As nossas escolas - seria bom se elas ensinassem as crianças a amar as árvores. Chamar pelo nome e amar as paineiras, as sibipirunas, as magnólias, os pinheiros, as magueiras, as pitangueiras, os jequitibás, os ipês, as quaresmeiras… Aprendi na escola que os homens são uma forma de vida mais evoluída que as árvores. Estou brincando com a possibilidade do contrário: que as árvores sejam mais evoluídas que nós. Se assim não fosse por que haveriam as Escrituras Sagradas de comparar o homem feliz com uma árvore plantada junto a ribeiros de águas? Com o que concorda Alberto Caeiro: “Sejamos simples e calmos como os regatos e as árvores, e Deus amar-nos-á fazendo de nós belos como as árvores e os regatos…” Deus nos amará quando formos como as árvores!

Ninguém vai para o inferno. Os que não amam as árvores também vão para o céu. Mas, como todos sabem, o céu é o lugar onde se encontram as coisas que amamos. O lugar onde se encontram as coisas que não amamos é o inferno. Assim, para os que não amam as árvores, um lugar com bosques, florestas, flores e riachos seria o inferno. Eles não irão para o inferno de árvores. Irão para o seu céu sem árvores, pois é isso que eles amam.

Morarão numa cidade planejada pelo Niemeyer onde tudo será feito de concreto segundo formas geométricas perfeitas, em nada semelhantes às coisas vivas. Os prédios do Congresso Nacional, em Brasília, são uma metade de esfera voltada para cima e uma metade de esfera voltada para baixo, sem janelas. Na cidade planejada pelo Niemeyer as árvores não sujarão as calçadas com suas folhas e flores. As árvores serão de concreto, semelhantes aos cogumelos: uma esfera cortada pelo meio equilibrando-se sobre um cilindro. O bom disso é que não haverá despesas com jardineiros. E as donas de casa não precisarão varrer a calçada.
                 
                                                                                       (Rubem Alves)

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Soneto ao Ipê Amarelo....



O céu reverencia ao teu olor inebriante!
Ó solitária fonte de alquimia!
charme especial, ao deleite do caminhante.
Ipê amarelo impõe ao meu canto - poesia!

Nas manhãs ensolaradas sou pontual andante...
atrevo-me aos teus pés por empatia,
recriar no verso a mais nova fantasia,
que em minh'alma irradia abundante!

Assisto teu florescer, aos meu olhos, fascinante!
Vejo o vento colher teu florir arrevelia...
teu cheiro enigmático só contagia...

E... a brisa noturna a te deixar com tanta vida,
a tua parte mais cândida, dividida!
florescer, então, aqui, ali, acolá, noutro lugar!


(Creusa Lima)

sábado, 12 de janeiro de 2013

Despedida...

                                                                   

E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.

A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.


                                                 (Rubem Braga)


quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Coco Chanel...

             


"O Perfume anuncia a chegada de uma
mulher
e prolonga a sua saída".

(Coco Chanel)

Verão em Campo Grande...

                                                                                 
É o tempo em que as mangueiras
se vestem de vermelho.
Folhas de fulva seda
cintilar de cetim.
Redondas como seios
ou ventres
as copas brotam
cor de carne nova.
E nos troncos,
espesso como sangue,
escorre
o cantar das cigarras 

(Marina Colasanti)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Minha Turma

                                     

Ela é uma amiga recente. Tem três filhos, sendo que um deles possui uma síndrome rara. É uma criança especial, como se diz. Acabei de ouvi-la palestrar a respeito de como é o envolvimento de uma mãe com um ser que necessita de tanta atenção. Eu estava preparada para ouvir um chororô, e não a acusaria, ela teria todo o direito se. Mas o “se” não veio.

O que vi foi uma mulher comovente e leve ao mesmo tempo, recorrendo ao humor para segurar a onda e para não se desconectar de si mesma. Ela deu uma choradinha, sim, mas de pura emoção e gratidão por passar por essa experiência que dá a ela e a esse filho uma cumplicidade também fora do comum. Quando ela terminou de falar, pensei: “Essa é da minha turma”.

E silenciosamente a inseri no rol dos meus afetos verdadeiros. Estranhei ter sido essa a expressão que me ocorreu, “minha turma”, e só então percebi que, durante a vida, a gente conhece um mundaréu de pessoas, estabelece variadas trocas de impressões, passeia por outras tribos e tal.

São homens e mulheres que chegam bem perto do nosso epicentro, nem sempre por escolha, mas porque são parentes de alguém, conhecidos de não sei quem, e que acabam sendo agregados à nossa agenda do celular. Até que o tempo vai mostrando uma dissimulação aqui, uma maldade ali, uma energia pesada, e você se dá conta de que alguns não são da sua turma.

Da série “Coisas que a gente aprende com o passar dos anos”: abra-se para o novo, mas na hora da intimidade, do papo reto, da confiança, procure sua turma. É fácil reconhecer os integrantes dessa comunidade: são aqueles que falam a sua língua, enxergam o que você vê, entendem o que você nem verbalizou.

São aqueles que acham graça das mesmas coisas, que saltam juntos para a transcendência, que possuem o mesmo repertório. São aqueles que não necessitam de legendas, que estão na mesma sintonia, e cujo histórico bate com o seu. Sua turma é sua ressonância, sua clonagem, é você acrescida e valorizada. Sua turma não exige nota de rodapé nem resposta na última página. Sua turma equaliza, não é fator de desgaste. Com ela você dança no mesmo compasso, desliza, cresce, se expande. Sua turma é sua outra família, aquela, escolhida.

Não tenho mais paciência com o que me exige atuação, com quem me obriga a usar palavras em excesso para ser compreendida. Não tenho mais energia para o rapapé, para o rococó, para o servilismo cortês, para o mise-en-scène social. Não tenho motivo para ser quem não sou, para adaptações de última hora, para adequações tiradas da manga. Não quero mais frequentar estranhos, em cujas piadas não vejo a mínima graça.

Não quero mais ser apresentada, muito prazer, e daí por diante ter que dissecar minha árvore genealógica, me explicar em nome dos meus tataravôs, defender posições que me farão passar por boa moça. Não quero mais ser uma convidada surpresa. Se você mandar eu procurar minha turma, acredite, tomarei como carinho.

             (Martha Medeiros) 

domingo, 6 de janeiro de 2013

Chico Xavier...

                                                                             

Ano Novo é também oportunidade de aprender, trabalhar e servir. O tempo, como paternal amigo, como que se reencarna no corpo do calendário, descerrando-nos horizontes mais claros para necessária ascensão.
Lembra-te de que o ano em retorno é novo dia a convocar-te para a execução de velhas promessas que ainda não tivestes a coragem de cumprir.
Se tens inimigos, faze das horas renascer-te o caminho da reconciliação.
Se foste ofendido, perdoa, a fim de que o amor te clareie a estrada para frente.
Se descansaste em demasia, volve ao arado de tuas obrigações e planta o bem com destemor para a colheita do porvir.
Se a tristeza te requisita, esquece-a e procura a alegria serena da consciência tranquila no dever bem cumprido.
Ano Novo! Novo Dia!
Sorri para os que te feriram e busca harmonia com aqueles que te não entenderam até agora.
Recorda que há mais ignorância que maldade em torno de teu destino.
Não maldigas nem condenes.
Auxilia a acender alguma luz para quem passa ao teu lado, na inquietude da escuridão.
Não te desanimes nem te desconsoles.
Cultiva o bom ânimo com os que te visitam dominados pelo frio do desencanto ou da indiferença.
Não te esqueças de que Jesus jamais se desespera conosco e, como que oculto ao nosso lado, paciente e bondoso, repete-nos de hora a hora: Ama e auxilia sempre. Ajuda aos outros amparando a ti mesmo, porque se o dia volta amanhã, eu estou contigo, esperando pela doce alegria da porta aberta de teu coração.