quarta-feira, 6 de abril de 2016

O ritual da comida...

Como muitas garotas de ascendência judaica, a chef Andréa Kaufmann aprendeu a cozinhar e a manipular as panelas com sua mãe e sua avó, que estavam sempre a postos na cozinha. Apesar de a família não seguir uma dieta restritiva judaica no dia a dia, Andréa lembra que nas festas e celebrações religiosas era comum ver sua mama iídiche dedicar-se ao preparo de pratos especiais para as datas.

"No judaísmo, as celebrações sempre acontecem em volta da mesa farta, com cada prato tendo um significado especial", conta Andréa. Não é diferente em muitas outras religiões, nas quais o alimento, mais que nutrir, tem um significado próprio associado à divindade. Ao longo da história, muitos povos viam a comida como uma dádiva, um milagre divino. "Muito antes de as principais correntes religiosas de hoje se consolidarem (como o cristianismo, o islamismo e o próprio judaísmo), já eram comuns os ritos de oferendas aos deuses, bem como as festas que vão celebrar as colheitas, fundamentais para aplacar a fome dos povos antigos", diz Sandro Dias, professor de História daGastronomia do Centro Universitário Senac, em Águas de São Pedro (SP). Nesse contexto, a refeição adquire uma simbologia toda especial, repleta de significados.

Andréa se lembra em especial do Rosh Hashanah, o Ano Novo judaico, em que logo depois de uma celebração na sinagoga, as famílias voltam para casa para comer. A refeição começa sempre com a maçã, que representa o início, remetendo a Adão e Eva (responsáveis pela primeira e mais famosa transgressão alimentar da humanidade). Depois, serve-se o Chalá (pão em formato circular, representando algo cíclico, sem fim) com patês e, em seguida, os pratos. O peixe é um dos poucos animais representados à mesa, por ele só nadar para a frente - como os judeus esperam que seja seu novo ano. "Uma das minhas mais doces lembranças é a torta de maçã que minha avó fazia para essa data", relembra Andréa.




É da admiração de ver a avó cozinhar nessas ocasiões que Andréa diz ter começado a se encantar com a cozinha. Ela separava as espinhas dos peixes, ajudava a quebrar os ovos. E, assim, foi pegando gosto pelo ato de cozinhar. Até que, depois de deixar de lado a profissão de publicitária, ela resolveu abrir em 2007 seu primeiro restaurante, uma delicatessen especializada em pratos judaicos. "Recebia muita gente que, como eu, tinha lembranças dessa gastronomia festiva, mas que nem sempre tinha a chance de comê-la no dia a dia", afirma ela. Hoje, em seu novo restaurante, o AK Vila, na Vila Madalena, em São Paulo, passou a oferecer um cardápio mais "variado". Mas ainda mantém algumas iguarias do repertório gastronômico judaico, como uma bruschetta que leva tâmara (um dos sete elementos bíblicos citados no Deuteronômio), falafel, pastrami e goulash de vitela - esta última uma receita em homenagem à avó húngara. "Mesmo inconscientemente, acabo me voltando a esses sabores, não tem jeito. É algo que faz parte da minha história e da minha relação de adoração com a gastronomia", define.


Comer ou não comer

O repertório culinário passa a fazer parte de celebrações e ocasiões tão especiais que ganham um significado e um valor únicos. Inclusive de privação, em alguns casos. "Abstinência e proibição, constante ou temporária, de certos alimentos são, geralmente, considerados meios de atingir estado de graça e santidade", afirma Ariovaldo França, autor do livro De Caçador a Gourmet - Uma História da Gastronomia (Editora Senac). Para os israelitas, por exemplo, o uso de fermento se transformou em objeto de restrições religiosas, e a fermentação, símbolo de corrupção e deteriorização. Na doutrina hindu, o consumo de carne de vaca é proibido, baseado no conceito de reencarnação. A vaca é considerada descendente direta de um espírito sagrado para esse povo, o Kamadhenu. "Mas é interessante notar que 1400 anos antes de Cristo, na Índia, o Rigveda [o mais antigo livro da literatura hindu] descreve uma sociedade pastoril que se deleitava com festins em que se comia a carne de vaca", afirma França. Em tempos que precedem a Páscoa, seguidores mais fervorosos da cultura católica cristã não consomem carne vermelha como forma de se abster de comer algo nobre em homenagem ao sacrifício de Jesus, que morreu para salvar seus seguidores. Há quem prefira se abster de outros prazeres culinários (como doces, chocolate, álcool etc.) para encarar os 40 dias da Quaresma.

Essas regras comprovam que o ser humano é cerimonioso no comer e tem uma atitude complexa em relação ao alimento. "Não se come apenas para saciar a fome. O alimento se reveste de valor simbólico e, eventualmente, se transforma em objeto ritual", diz França. Nas culturas tradicionais, o alimento de base está frequentemente associado a uma divindade e sua produção representa parte da atividade dessa relação. No candomblé, por exemplo, os orixás representam símbolos e forças da natureza - como fogo, água, vento etc. - e cada um deles tem uma preferência gastronômica que deve ser meticulosamente seguida nas oferendas. Por isso, só quem cozinha nos terreiros são as iabassês, mães de santo que guardam os segredos do preparo das receitas e precisam seguir as regras de sua preparação - que vão desde as vestes que elas precisam utilizar até cuidados como não misturar utensílios em receitas para orixás diferentes.


Necessidade de conexão

Curiosa com o fato de cada orixá ter seu prato representativo e com a riqueza gastronômica que isso permite em combinações de sabores, a chef Bel Coelho desembarcou em Salvador para passar uma semana no terreiro Gantois, um dos mais conhecidos da capital baiana, a fim de desvendar os segredos dos preparos das iabassês e conhecer mais esse ritual. "Não sou do candomblé nem sigo uma religião específica, mas fiquei intrigada em conhecer uma crença em que os alimentos tinham papel tão importante", conta. Da experiência, Bel criou um cardápio especial para o projeto Clandestino, no qual recebe no segundo andar de seu restaurante Dui, em São Paulo, comensais para provar menus degustação, sempre baseados em um tema. "Mais do que no paladar e nas receitas em si, me abri para basear minhas criações nas cores vivas, nos cheiros e na mitologia de cada orixá. Como não podia cozinhar, observei tudo o que pude", diz.

Para homenagear Iemanjá, talvez a orixá mais conhecida dos não adeptos do candomblé, Bel resolveu apostar em sua vaidade, servindo um robalo cozido e grelhado sobre pérolas de leite de coco e uma farinha de coco tão fina que se assemelha a areia. O prato onde a receita é servida é feito de espelho, como o utensílio que a rainha do mar carrega nas mãos. "A receita ainda leva geleia de rosas, em alusão às oferendas feitas a ela. E o leite de coco foi escolhido para simbolizar o lado materno de Iemanjá". Outros 15 orixás ganharam, pelas mãos da chef, releituras e inspirações em sua representatividade mitológica. "Realmente me fascina essa necessidade do ser humano de se conectar. O rito é talvez a forma mais primária de conexão que temos, por isso ela é tão representativa."

Por estar ligada a esse conceito de conexão e celebração da vida, comida não combina com conflitos. Essa, pelo menos, é a máxima do chef armênio Kevork Alemian, que, em 2001, fundou a ONG Chefs4Peace (chefs pela paz, em tradução livre). O intuito dele e de outros cozinheiros que se uniram à empreitada é promover a convivência pacífica entre povos cuja prática religiosa está associada à guerra e à discórdia. A proposta é unir muçulmanos, judeus e católicos por meio da comida. Hoje composta por 20 cozinheiros, a Chefs4Peace tenta resgatar receitas ancestrais que deram origem aos pratos que têm valor sagrado para cada uma dessas religiões. "Pesquisamos em livros sagrados o que se comia na origem da culinária judaica, da alimentação cristã e dos pratos de influência árabe, que deram origem aos costumes dos muçulmanos", diz Alemian. O foco são alimentos como o sal, o pão e até o azeite de oliva, que têm papel fundamental para essas religiões. "Eles são o que eu chamo de ingredientes da paz."

Para fomentar essa convivência pacífica e incentivar não só a troca de receitas mas também o intercâmbio de pontos de vista, a ONG fundada por Alemian promove eventos em que chefs dessas doutrinas diferentes se reúnem para cozinhar juntos, em eventos e palestras em todo o mundo. Agora o projeto é fazer funcionar uma escola que já opera de forma experimental no vilarejo de Abu Gosh, a 10 km da cidade sagrada de Jerusalém, para receber jovens das mais diversas religiões e etnias. "Queremos mostrar que, onde há a devoção pela comida, os conflitos não têm lugar para existir." É um projeto bastante otimista para uma região em que as guerras estão enraizadas no cotidiano dos moradores. "Nossa arma para lutar pelo que acreditamos é a faca, que pode ser perigosa, mas também conciliadora, quando a usamos para criar pratos deliciosos e trocas significativas", conclui Alemian. Algo que só a crença no poder transformador da alimentação pode oferecer.

Rafael Tonon

Pensamentos...

“Se pudéssemos ver a nós mesmos e a outros objetos como realmente são, deveríamos nos ver num mundo de natureza espiritual, em que nossa comunhão não começa com o nascimento nem termina com a morte do corpo”. Immanuel Kant.
“Uma vida inteira pode ser necessária apenas para adquirir as virtudes que anulam os erros da vida anterior de um homem. As virtudes que adquirimos, virtudes que se desenvolvem lentamente dentro de nós, são os elos invisíveis que ligam cada uma de nossas existências às outras – existências que só o espírito lembra, pois a matéria não tem memória para coisas espirituais”. Honoré de Balzac.
“Creio que a imortalidade é a passagem de uma alma através de muitas vidas ou experiências. A maneira como cada uma é vivida e aproveitada ajuda a seguinte, cada uma se tornando  mais rica, mais feliz, mais elevada, levando consigo apenas as memórias do que foi antes”. Louise May Acott.

                                                                      

Reencarnação..

Cientistas comprovam a reencarnação humana
 
 
Desde que o mundo é mundo discutimos e tentamos descobrir o que existe além da morte.
Desta vez a ciência quântica explica e comprova que existe sim vida (não física) após a morte de qualquer ser humano.
Um livro intitulado “O biocentrismo: Como a vida e a consciência são as chaves para entender a natureza do Universo” “causou” na Internet, porque continha uma noção de que a vida não acaba quando o corpo morre e que pode durar para sempre. O autor desta publicação o cientista Dr. Robert Lanza, eleito o terceiro mais importante cientista vivo pelo NY Times, não tem dúvidas de que isso é possível.
Além do tempo e do espaço
Lanza é um especialista em medicina regenerativa e diretor científico daAdvanced Cell Technology Company. No passado ficou conhecido por sua extensa pesquisa com células-tronco e também por várias experiências bem sucedidas sobre clonagem de espécies animais ameaçadas de extinção.
Mas não há muito tempo, o cientista se envolveu com física, mecânica quântica e astrofísica. Esta mistura explosiva deu à luz a nova teoria do biocentrismo que vem pregando desde então. O biocentrismo ensina que a vida e a consciência são fundamentais para o universo.
É a consciência que cria o universo material e não o contrário.
Lanza aponta para a estrutura do próprio universo e diz que as leis, forças e constantes variações do universo parecem ser afinadas para a vida, ou seja, a inteligência que existia antes importa muito. Ele também afirma que o espaço e o tempo não são objetos ou coisas mas sim ferramentas de nosso entendimento animal. Lanza diz que carregamos o espaço e o tempo em torno de nós “como tartarugas”, o que significa que quando a casca sai, espaço e tempo ainda existem.

A teoria sugere que a morte da consciência simplesmente não existe. Ele só existe como um pensamento porque as pessoas se identificam com o seu corpo. Eles acreditam que o corpo vai morrer mais cedo ou mais tarde, pensando que a sua consciência vai desaparecer também. Se o corpo gera a consciência então a consciência morre quando o corpo morre. Mas se o corpo recebe a consciência da mesma forma que uma caixa de tv a cabo recebe sinais de satélite então é claro que a consciência não termina com a morte do veículo físico. Na verdade a consciência existe fora das restrições de tempo e espaço. Ele é capaz de estar em qualquer lugar: no corpo humano e no exterior de si mesma. Em outras palavras é não-local, no mesmo sentido que os objetos quânticos são não-local.
Lanza também acredita que múltiplos universos podem existir simultaneamente. Em um universo o corpo pode estar morto e em outro continua a existir, absorvendo consciência que migraram para este universo. Isto significa que uma pessoa morta enquanto viaja através do mesmo túnel acaba não no inferno ou no céu, mas em um mundo semelhante a ele ou ela que foi habitado, mas desta vez vivo. E assim por diante, infinitamente, quase como um efeito cósmico vida após a morte.
Vários mundos
Não são apenas meros mortais que querem viver para sempre mas também alguns cientistas de renome têm a mesma opinião de Lanza. São os físicos e astrofísicos que tendem a concordar com a existência de mundos paralelos e que sugerem a possibilidade de múltiplos universos. Multiverso (multi-universo) é o conceito científico da teoria que eles defendem. Eles acreditam que não existem leis físicas que proibiriam a existência de mundos paralelos.

O primeiro a falar sobre isto foi o escritor de ficção científica HG Wells em 1895 com o livro “The Door in the Wall“. Após 62 anos essa ideia foi desenvolvida pelo Dr. Hugh Everett em sua tese de pós-graduação na Universidade de Princeton. Basicamente postula que, em determinado momento o universo se divide em inúmeros casos semelhantes e no momento seguinte, esses universos “recém-nascidos” dividem-se de forma semelhante. Então em alguns desses mundos que podemos estar presentes, lendo este artigo em um universo e assistir TV em outro.
Na década de 1980 Andrei Linde cientista do Instituto de Física da Lebedev, desenvolveu a teoria de múltiplos universos. Agora como professor da Universidade de Stanford, Linde explicou: o espaço consiste em muitas esferas de insuflar que dão origem a esferas semelhantes, e aqueles, por sua vez, produzem esferas em números ainda maiores e assim por diante até o infinito. No universo eles são separados. Eles não estão cientes da existência do outro mas eles representam partes de um mesmo universo físico.
A física Laura Mersini Houghton da Universidade da Carolina do Norte com seus colegas argumentam: as anomalias do fundo do cosmos existe devido ao fato de que o nosso universo é influenciado por outros universos existentes nas proximidades e que buracos e falhas são um resultado direto de ataques contra nós por universos vizinhos.
Alma
Assim, há abundância de lugares ou outros universos onde a nossa alma poderia migrar após a morte, de acordo com a teoria de neo biocentrismo.
Mas será que a alma existe? Existe alguma teoria científica da consciência que poderia acomodar tal afirmação? Segundo o Dr. Stuart Hameroff uma experiência de quase morte acontece quando a informação quântica que habita o sistema nervoso deixa o corpo e se dissipa no universo. Ao contrário do que defendem os materialistas Dr. Hameroff oferece uma explicação alternativa da consciência que pode, talvez, apelar para a mente científica racional e intuições pessoais.
A consciência reside, de acordo com Stuart e o físico britânico Sir Roger Penrose, nos microtúbulos das células cerebrais que são os sítios primários de processamento quântico. Após a morte esta informação é liberada de seu corpo, o que significa que a sua consciência vai com ele. Eles argumentaram que a nossa experiência da consciência é o resultado de efeitos da gravidade quântica nesses microtúbulos, uma teoria que eles batizaram Redução Objetiva Orquestrada.
Consciência ou pelo menos proto consciência é teorizada por eles para ser uma propriedade fundamental do universo, presente até mesmo no primeiro momento do universo durante o Big Bang. “Em uma dessas experiências conscientes comprova-se que o proto esquema é uma propriedade básica da realidade física acessível a um processo quântico associado com atividade cerebral.”
Nossas almas estão de fato construídas a partir da própria estrutura do universo e pode ter existido desde o início dos tempos. Nossos cérebros são apenas receptores e amplificadores para a proto-consciência que é intrínseca ao tecido do espaço-tempo. Então, há realmente uma parte de sua consciência que é não material e vai viver após a morte de seu corpo físico.

Dr. Hameroff disse ao Canal Science através do documentário Wormhole: “Vamos dizer que o coração pare de bater, o sangue pare de fluir e os microtúbulos percam seu estado quântico. A informação quântica dentro dos microtúbulos não é destruída, não pode ser destruída, ele só distribui e se dissipa com o universo como um todo.” Robert Lanza acrescenta aqui que não só existem em um único universo, ela existe talvez, em outro universo.
Se o paciente é ressuscitado, esta informação quântica pode voltar para os microtúbulos e o paciente diz: “Eu tive uma experiência de quase morte”.
Ele acrescenta: “Se ele não reviveu e o paciente morre é possível que esta informação quântica possa existir fora do corpo talvez indefinidamente, como uma alma.”
Esta conta de consciência quântica explica coisas como experiências de quase morte, projeção astral, experiências fora do corpo e até mesmo areencarnação sem a necessidade de recorrer a ideologia religiosa. A energia de sua consciência potencialmente é reciclada de volta em um corpo diferente em algum momento e nesse meio tempo ela existe fora do corpo físico em algum outro nível de realidade e possivelmente, em outro universo.
E você o que acha? Concorda com Lanza?
Grande abraço!
Indicação: Pedro Lopes Martins
Artigo publicado originalmente em inglês no site SPIRIT SCIENCE AND METAPHYSICS.

Eliane Brum...

                                                                            

A velhice sofreu uma cirurgia plástica na linguagem.


Na semana passada, sugeri a uma pessoa próxima que trocasse a palavra “idosas” por “velhas” em um texto. E fui informada de que era impossível, porque as pessoas sobre as quais ela escrevia se recusavam a ser chamadas de “velhas”: só aceitavam ser “idosas”.  Pensei: “roubaram a velhice”.  As palavras escolhidas – e mais ainda as que escapam – dizem muito, como Freud já nos alertou há mais de um século. Se testemunhamos uma epidemia de cirurgias plásticas na tentativa da juventude para sempre (até a morte), é óbvio esperar que a língua seja atingida pela mesma ânsia. Acho que “idoso” é uma palavra “fotoshopada” – ou talvez um lifting completo na palavra “velho”. E saio aqui em defesa do “velho” – a palavra e o ser/estar de um tempo que, se tivermos sorte, chegará para todos.
Desde que a juventude virou não mais uma fase da vida, mas uma vida inteira, temos convivido com essas tentativas de tungar a velhice também no idioma. Vale tudo. Asilo virou casa de repouso, como se isso mudasse o significado do que é estar apartado do mundo. Velhice virou terceira idade e, a pior de todas, “melhor idade”. Tenho anunciado a amigos e familiares que, se alguém me disser, em um futuro não tão distante, que estou na “melhor idade”, vou romper meu pacto pessoal de não violência. O mesmo vale para o primeiro que ousar falar comigo no diminutivo, como se eu tivesse voltado a ser criança. Insuportável.
A velhice é o que é. É o que é para cada um, mas é o que é para todos, também. Ser velho é estar perto da morte. E essa é uma experiência dura, duríssima até, mas também profunda. Negá-la é não só inútil como uma escolha que nos rouba alguma coisa de vital. Semanas atrás, em um programa de TV, o entrevistador me perguntou sobre a morte. E eu disse que queria viver a minha morte. Ele talvez não tenha entendido, porque afirmou: “Você não quer morrer”. E eu insisti na resposta: “Eu quero viver a minha morte”.
Na adolescência, eu acalentava a sincera esperança de que algum vampiro achasse o meu pescoço interessante o suficiente para me garantir a imortalidade. Mas acabei aceitando que vampiros não existem, embora circulem muitos chupadores de sangue por aí. Isso só para dizer que é claro que, se pudesse escolher, eu não morreria. Mas essa é uma obviedade que não nos leva a lugar algum.  Que ninguém quer morrer, todo mundo sabe. Mas negar o inevitável serve apenas para engordar o nosso medo sem que aprendamos nada que valha a pena.

A morte tem sido roubada de nós. E tenho tomado providências para que a minha não seja apartada de mim. A vida é incontrolável e posso morrer de repente. Mas há uma chance razoável de que eu morra numa cama e, nesse caso, tudo o que eu espero da medicina é que amenize a minha dor. Cada um sabe do tamanho de sua tragédia, então esse é apenas o meu querer, sem a pretensão de que a minha escolha seja melhor que a dos outros. Mas eu gostaria de estar consciente, sem dor e sem tubos, porque o morrer será minha última experiência vivida. Acharia frustrante perder esse derradeiro conhecimento sobre a existência humana. Minha última chance de ser curiosa.
Há uma bela expressão que precisamos resgatar, cujo autor não consegui localizar: “A morte não é o contrário da vida. A morte é o contrário do nascimento. A vida não tem contrários”. A vida, portanto, inclui a morte. Por que falo da morte aqui nesse texto? Porque a mesma lógica que nos roubou a morte sequestrou a velhice. A velhice nos lembra da proximidade do fim, portanto acharam por bem eliminá-la. Numa sociedade em que a juventude é não uma fase da vida, mas um valor, envelhecer é perder valor.  Os eufemismos são a expressão dessa desvalorização na linguagem.
Não, eu não sou velho. Sou idoso. Não, eu não moro num asilo. Mas numa casa de repouso. Não, eu não estou na velhice. Faço parte da melhor idade. Tenho muito medo dos eufemismos, porque eles soam bem intencionados. São os bonitinhos mas ordinários da língua.  O que fazem é arrancar o conteúdo das letras que expressam a nossa vida. Justo quando as pessoas têm mais experiências e mais o que dizer, a sociedade tenta confiná-las e esvaziá-las também no idioma.
Chamar de idoso aquele que viveu mais é arrancar seus dentes na linguagem. Velho é uma palavra com caninos afiados – idoso é uma palavra banguela. Velho é letra forte. Idoso é fisicamente débil, palavra que diz de um corpo, não de um espírito. Idoso fala de uma condição efêmera, velho reivindica memória acumulada. Idoso pode ser apenas “ido”, aquele que já foi. Velho é – e está.  Alguém vê um Boris Schnaiderman, uma Fernanda Montenegro e até um Fernando Henrique Cardoso como idosos? Ou um Clint Eastwood? Não. Eles são velhos.
Idoso e palavras afins representam a domesticação da velhice pela língua, a domesticação que já se dá no lugar destinado a eles numa sociedade em que, como disse alguém, “nasce-se adolescente e morre-se adolescente”, mesmo que com 90 anos. Idosos são incômodos porque usam fraldas ou precisam de ajuda para andar. Velhos incomodam com suas ideias, mesmo que usem fraldas e precisem de ajuda para andar. Acredita-se que idosos necessitam de recreacionistas. Acredito que velhos desejam as recreacionistas. Idosos morrem de desistência, velhos morrem porque não desistiram de viver.
Basta evocar a literatura para perceber a diferença. Alguém leria um livro chamado “O idoso e o mar”?  Não. Como idoso o pescador não lutaria com aquele peixe. Imagine então essa obra-prima de Guimarães Rosa, do conto “Fita Verde no Cabelo”, submetida ao termo “idoso”: “Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam...”.
Velho é uma conquista. Idoso é uma rendição.
Como em 2012 passei a estar mais perto dos 50 do que dos 40, já começo a ouvir sobre mim mesma um outro tipo de bobagem.  O tal do “espírito jovem”. Envelhecer não é fácil. Longe disso. Ainda estou me acostumando a ser chamada de senhora sem olhar para os lados para descobrir com quem estão falando.  Mas se existe algo bom em envelhecer, como já disse em uma coluna anterior, é o “espírito velho”. Esse é grande.
Vem com toda a trajetória e é cumulativo. Sei muito mais do que sabia antes, o que significa que sei muito menos do que achava que sabia aos 20 e aos 30. Sou consciente de que tudo – fama ou fracasso – é efêmero. Me apavoro bem menos. Não embarco em qualquer papinho mole. Me estatelei de cara no chão um número de vezes suficiente para saber que acabo me levantando. Tento conviver bem com as minhas marcas. Conheço cada vez mais os meus limites e tenho me batido para aceitá-los. Continua doendo bastante, mas consigo lidar melhor com as minhas perdas. Troco com mais frequência o drama pelo humor nos comezinhos do cotidiano. Mantenho as memórias que me importam e jogo os entulhos fora. Torço para que as pessoas que amo envelheçam porque elas ficam menos vaidosas e mais divertidas. E espero que tenha tempo para envelhecer muito mais o meu espírito, porque ainda sofro à toa e tenho umas cracas grudadas à minha alma das quais preciso me livrar porque não me pertencem. Espero chegar aos 80 mais interessante, intensa e engraçada do que sou hoje.
Envelhecer o espírito é engrandecê-lo. Alargá-lo com experiências. Apalpar o tamanho cada vez maior do que não sabemos. Só somos sábios na juventude. Como disse Oscar Wilde, “não sou jovem o suficiente para saber tudo”. Na velhice havemos de ser ignorantes, fascinados pelas dimensões cada vez mais superlativas do que desconhecemos e queremos buscar.  É essa a conquista. Espírito jovem? Nem tentem.
Acho que devíamos nos rebelar. E não permitir que nos roubem nem a velhice nem a morte, não deixar que nos reduzam a palavras bobas, à cosmética da linguagem. Nem consentir que calem o que temos a dizer e a viver nessa fase da vida que, se não chegou, ainda chegará. Pode parecer uma besteira, mas eu cometo minha pequena subversão jamais escrevendo a palavra “idoso”, “terceira idade” e afins. Exceto, claro, se for para arrancar seus laços de fita e revelar sua indigência.
Quando chegar a minha hora, por favor, me chamem de velha. Me sentirei honrada com o reconhecimento da minha força. Sei que estou envelhecendo, testemunho essa passagem no meu corpo e, para o futuro, espero contar com um espírito cada vez mais velho para ter a coragem de encerrar minha travessia com a graça de um espanto.
(Eliane Brum)

A feijoada zen...

                                                                              

Feijoada, torresmo e caipirinha podem se tornar uma dieta tão saudável quanto a vegana. Há algum tempo certas pesquisas revelaram que a gordura não é tão ruim para a saúde. Quando li as reportagens a respeito, fiquei uma fúria. Queria ter dado a notícia primeiro, sem apoio de nenhuma pesquisa médica. Somente pela observação. Começo pela mãe de um amigo. Tem 90 anos, come feijoada todo sábado e devora pratos de torresmo. Sai com as amigas, se diverte. É absolutamente lúcida. Já soube de mais uns dois ou três casos de velhas rijas, do interior paulista e mineiro. Nenhuma abre mão do torresminho e da feijoada. Você também já deve ter conhecido uma velha assim, não é? Meu amigo, em São Paulo, tem a saúde bem mais duvidosa que a mãe. Vive gripado, segue uma dieta estrita, sem carne vermelha, foge de fritura!
Já refleti: se essas velhas morassem no Tibete, teríamos algum livro com um título do tipo A fabulosa dieta tibetana do torresmo. Tudo o que é distante, original, vira até moda. Ganha seguidores, centros de estudo. Imagino as pessoas meditando sobre os benefícios do torresmo. Ou tomando doses de “caipirinha sagrada”, como caminho para o autoconhecimento. Bem..., nesse caso, deve mesmo funcionar. Só depende do número de doses. Em compensação, o que é próximo, corriqueiro, passa despercebido. Podemos conceber uma nova vida, a partir do único exemplo de algum monge mal-humorado que viva no Himalaia. Jamais observamos a vida simples da velhinha da esquina. Nunca meditamos sobre as vantagens de um bom caldo de galinha caipira.
Certa vez estive em Veranópolis, na Serra Gaúcha. É conhecida como a Terra da Longevidade. O modo de vida de seus habitantes, que atingem mais de 100 anos, começou a ser estudado pela Organização Mundial da Saúde desde 1994. É uma zona de cultivo de maçãs, uvas. Produz vinho. Logo após minha palestra numa escola, sobre meus livros infantojuvenis, serviram-me café com uma bandeja de cueca-virada. Não maliciem, por favor. Cueca-virada é o nome de uma rosquinha de massa dobrada, frita em gordura e, depois, passada no açúcar. Uma delícia! Claro, deve ser uma bomba de colesterol. Principalmente para um guloso como eu, que, aproveitando minha situação de homenageado, raspei a bandeja toda. (Rasparia outra!) Se esse é um prato típico da Terra da Longevidade, não dá o que pensar? Novamente, se fosse oferecido na Índia, seria reverenciado como alimento sagrado dos monges. Não?
Podem me atirar pedras. Nunca acreditei em pesquisas médicas alardeadas mundo afora. Sempre gostei de ovos. Adoro ovo frito com gema mole e pãozinho francês, para molhar. De repente, o ovo foi crucificado pelas pesquisas de saúde. Simplesmente continuei comendo ovos. Até melhorei minha técnica em omeletes. Há algum tempo, veio uma nova conclusão científica: ovo faz bem. Continuei com os ovos, com a consciência tranquila. É sempre assim: de tempos em tempos, descobrem que algum alimento é péssimo. Depois, que é bom. Ao lado disso, a alimentação torna-se, para alguns, uma espécie de seita. Comer isso ou aquilo vem carregado de interpretações sobre sentimento, caráter e ética. Tenho um amigo que certa vez se recusou a comer mariscos na casca.
– Tenho pena dos bichinhos – disse.
– E você ainda diz que é hétero? – perguntei.
Tudo bem, desculpem. Minha pergunta foi preconceituosa, mas vamos combinar que um sujeito capaz de chorar de piedade por alguns mariscos desperta suposições. Para superar dramas éticos, as pessoas cada vez mais querem comer algo que não pareça o que comem de fato. Loucura! Por exemplo: um filé de frango, e não o próprio frango assado com farofa. Estrogonofe, bife. Tudo o que distancia do animal em si. Algumas crianças nunca viram uma galinha de verdade, com penas. Ou uma vaca. Imaginam que são itens de supermercado, que sua ligação com o mundo animal até pode existir, mas não sabem muito bem como isso acontece.
É uma eterna hipocrisia alimentar.
Acredito que, para vencer colesterol, pressão alta e muitos problemas de saúde, é preciso viver com alegria. E comida, para mim e acredito que para muita gente, é um fator de felicidade. Só um chato não aprecia uma boa feijoada com cerveja e caipirinha no fim de semana. Para depois deitar, corpo mole. E... humm... relaxar. Feijoada zen. É um caminho de meditação e longevidade. Essa é a lição das velhinhas que conheci.

Walcyr Carrasco

Certidão de Nascimento de Maria Antônia...

Jornal Zero Hora, 24/09/2014                              

A decisão judicial no caso de multiparentalidade de Santa Maria vem despertando as mais diversas reações: desde as favoráveis, apoiando a iniciativa; até as mais ferrenhamente desfavoráveis, lastreadas nos mais diversos sentimentos. Justo, é livre a manifestação do pensamento. Existem milhares de processos em tramitação no Judiciário brasileiro, nos quais pessoas buscam o direito de reconhecimento de um pai, ou seja, lutam pelo direito de ter uma identificação paterna em sua documentação.
Maria Antônia é privilegiada. Foi reconhecida antecipadamente pelos pai e mãe biológicos e ainda ganhou uma mãe socioafetiva. Três famílias extensas participaram de seu pré- natal, comemoraram seu nascimento e lhe dão afeto, amparo e proteção. É uma história verdadeira coberta de sensibilidade e humanismo. Por isso a certeza de que a decisão não importará em qualquer reflexo negativo a Maria Antônia, que desde cedo crescerá sabendo da verdade e recheada de carinho e afeto pelos pais.
A não aceitação neste ou naquele grupo social é um fato social e, com certeza, não será pelo motivo de possuir uma certidão de nascimento diferenciada que será excluída. Num país de acentuadas desigualdades, inclusive afetivas, a possibilidade de ter três pais é mais uma chance de o indivíduo ser feliz. Talvez aqueles que se posicionaram de forma contrária ao caso não atentaram para o fato de que esta realidade existe. Quantos casos de multiparentalidade que não foram reconhecidos judicialmente? Inúmeros (quase todos)! O fato de constar dupla maternidade na certidão da Maria Antônia é a parcela de contribuição que o Poder Judiciário pode oferecer: segurança, valorização e status jurídico ao afeto. Rememorando a sensibilíssima decisão do MM. Juiz, Dr. Rafael Cunha, em que muito bem ponderou: “Que afeto demais não é o problema; o problema é a falta (infinda, abissal) de afeto, de cuidado, de amor, de carinho”. O novo Direito de Família atende aos princípios constitucionais, fundando um novo paradigma, no qual os sentimentos são considerados e valorizados através de decisões como a presenteada a Maria Antônia, seu pai, suas duas mães e seus seis avós... materializada através de sua certidão de nascimento.
Advogada dos autores da ação
BERNADETE SCHLEDER DOS SANTOS

1717... cia de dançateatro