domingo, 1 de junho de 2014

A Grande Parada

Tempos atrás meu prezado amigo Jorge Anunciação sugeriu que eu escrevesse sobre um programa que produzi e apresentei durante muitos anos na rádio Planalto-AM, entre os anos 1970-1980, denominado a Grande Parada, que destacava os maiores sucessos musicais da época. Na verdade, a inspiração veio de um programa que o saudoso Dino Rosa apresentava na extinta rádio Municipal, nos anos 1960, aos domingos, chamado Os Campeões da Semana. A Grande Parada também ia ao ar aos domingos, das 13h às 15h, rodando as 30 canções de maior destaque em cada semana.
O programa começou a ser apresentado em 1969, ano em que a rádio Planalto começou a operar. Aquele ano entrou para a História do Brasil e do mundo: a guerra fria ainda imperava; um de seus principais símbolos – a guerra do Vietnã – estava no auge; a sociedade americana ainda vivia um intenso período de conflitos raciais, enquanto assistia ao crescimento de um forte movimento de contracultura, os hippies, que encontrou seu momento máximo no final dos anos 1960 nos EUA e começou a se espalhar pelo mundo ao longo dos anos 1970. O homem chegou à Lua e, a expressão “sexo, drogas e rock and roll”, nunca teve tanto sentido, como nos 3 dias do festival de Woodstock, um dos maiores eventos da música em todos os tempos.
Aqui no Brasil vivíamos entre a Jovem Guarda e o Tropicalismo e, entravamos no mais sombrio capítulo de nossa história, os terríveis “anos de chumbo”, com uma repressão violenta, marcada por censura, torturas, assassinatos, exílios, cassações autorizados pelo AI-5 que havia sido imposto em dezembro de 1968. Foi neste contexto que aqui em Passo Fundo começamos a fazer um rádio que tinha uma proposta moderna. A tônica da programação era a música e, dentro dela, a Grande Parada ganhou uma audiência incrível. Ainda hoje os seus velhos ouvintes a lembram com saudade. As tardes de domingo eram embaladas pela Grande Parada.
Entre as músicas que alcançaram destaque no programa figuraram: Aquele Abraço, de Gilberto Gil, canção composta pelo baiano como despedida, uma vez que ele e Caetano, depois vários meses presos, foram expulsos do país. Esta música permaneceu por várias semanas no primeiro lugar, entre as 30 mais da Grande Parada. Foi uma forma de protestar e de provocar a “revolução democrática”. Enquanto os amantes da “música de protesto” chamavam os tropicalistas de alienados, os militares perceberam o teor da sua subversão e os mandaram para Londres. O ano de 1969 revelou, igualmente, um novo grande talento na MPB, Paulinho da Viola, que venceu o último festival da Record, com uma canção cuja letra mostrava a impossibilidade de diálogo. Era um reflexo do mal-estar gerado pelo AI-5.
Estava decretado o “cala a boca”. Assim, a música de Paulinho, Sinal Fechado, foi outro grande destaque na Grande Parada. Outros destaques foram, Taiguara, com a bela canção Hoje; Wilson Simonal, País Tropical; Gal Costa e Caetano Veloso, com Que Pena; Jorge Ben com Charles, Anjo 45 e Cadê Tereza; Martinho da Vila, com o samba O Pequeno Burguês (este samba embalou as festas dos vestibulandos da época); Nelson Ned, Tudo Passará; Toquinho e Jorge Ben, Que Maravilha; Elís Regina, Madalena; Caetano Veloso, Atrás do Trio Elétrico; Evinha, vencedora do Festival Internacional da Canção daquele ano, esteve presente durante várias semanas no primeiro lugar do programa com Cantiga para Luciana. Roberto Carlos lançou naquele ano um de seus melhores Lps. Dele várias músicas figuraram na relação das 30 mais, como As Curvas da Estrada de Santos, Sua Estupidez, Eu Disse Adeus.
Já Erasmo Carlos monopolizou por várias semanas o primeiro lugar no ranking das melhores músicas com Sentando à Beira do Caminho. Ao longo das duas horas da parada de sucessos, fazíamos contatos com rádios do estado que informavam quais as músicas mais tocadas em suas respectivas programações, como a rádio Continental de Porto Alegre, Medianeira de Santa Maria, Fátima de Vacaria, Universidade de Pelotas, Difusão de Erechim. Era uma época de grande penetração da música estrangeira no Brasil. Até porque, como a censura proibia a maioria das músicas brasileiras, a saída era apelar para os sucessos internacionais. Entre os grandes hits mundiais de 1969 se destacaram na Grande Parada: I Started a Joke e Tomorrow, Tomorrow, dos Bee Gees; Aquarius/ Let The Sunshine In, 5h Dimension; Get Back; Hey Jude, Ballad of John And Ioko, dos Beatles que estavam lançando o antológico Lp Abbey Road; Sugar, Sugar, The Archies; F....Comme Femme, Adamô; Traces, Classics IV; Proud Mary, C.C.Revival; My Cherrie Amour, Stevie Wonder; To Sir With Love, Lulu; Those Were The Days, Mary Hopkin;Zingara, Bobby Solo; Love Is All, Malcon Roberts; My Way, Franck Sinatra; My Special Angel, The Vogues. Estas canções aqui relacionadas estavam inseridas no contexto da década de 1960, que vivenciou o surgimento dos Beatles, da música de protesto de Dylan e Joan Baez, do Tropicalismo e do iê,iê,iê da Jovem Guarda, da crescente popularidade do rock and roll no mundo, associando-se ao final da década á rebeldia política e, igualmente, ao romantismo, herança dos “anos dourados”. Na próxima semana continuaremos resgatando a memória musical das décadas de 1970/1980, tendo como fonte de inspiração a Grande Parada.
José Ernani de Almeida

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