sábado, 15 de novembro de 2014

Até quando? Diana Corso



Até quando a morte terá que ser, além do fim, uma tortura?

A jovem Britanny Maynard, diagnosticada de câncer terminal aos 29 anos, fixou uma data para a própria morte e divulgou sua despedida antecipada. Sua partida ocorreu, como previsto, no dia primeiro deste mês em sua casa no Oregon, EUA, junto de sua família. Ela não estava ainda acamada ou decrépita. Como sua face ainda não tinha sido transformada pela doença, reagimos mal. Da morte queremos coerência, que só venha quando for a “hora final”, consola-nos que a partida seja o alívio de um grande sofrimento.
O início e fim da vida se parecem, e há uma piada que ilustra isso muito bem. Ela estabelece em sete os desafios da nossa jornada: o primeiro que enfrentamos seria controlar o xixi e o cocô, o segundo fazer amigos, o terceiro fazer sexo e o quarto fazer dinheiro; já nossa quinta meta seria continuar fazendo sexo, a sexta fazer amigos e a sétima e derradeira seria evitar as fraldas.
Por sorte, este ciclo hoje dura mais, portanto, podemos fazer sexo e amigos por mais tempo. Por azar, graças ao aumento da longevidade e dos recursos médicos, vamos apagando lenta e, não raro, sofridamente. Para aqueles em que a lucidez permanece intacta, as restrições da idade avançada são incômodas, mas eles tiram forças da persistente curiosidade pela vida dos seus e pelo mundo. Já outros, infelizes, abandonam a vida como bebês tardios: de fraldas, com escaras e uma percepção e capacidade de comunicação restrita ou nula.
Pouco podemos prever, resta deixar tomadas providências e prescrições junto a nossos familiares. Porém, tudo isso se complica quando o mesmo quadro de decrepitude ameaça aos que sofrem de doenças terminais agressivas e de mau prognóstico, muitos ainda jovens. Nesses casos, o contrassenso desse prolongamento inútil e doloroso da desesperança fica mais visível. Por que só lhes deixamos partir quando já parecem tão pouco vivos?
No processo de morte assistida, como foi o caso de Britanny, é o doente que escolhe o limite do que deseja suportar. Nossa legislação permite-nos decidir pouco sobre o fim: podemos, deixando um Testamento Vital, apenas recusar as piores torturas como a vida artificial e a reanimação. Ninguém espera partir em meio a dores, tampouco nos agrada ir aos poucos perdendo-nos de tudo o que somos. Por isso cabe debater e buscar alternativas para melhor seguir vivendo e também para deixar de fazê-lo.
Envelhecer quer dizer viver mais, não morrer aos poucos. Doenças terminais podem ser a dura realidade de saber antecipadamente de um prazo restrito de vida, que costumamos ignorar. Seja de um ou outro jeito, estamos falando de vida. Não é necessário partir cadavérico, fora de si, só para que os que ficam possam negar a existência do fim.

Diana Corso

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