segunda-feira, 10 de junho de 2013

A música do túnel...



Minha coleção de fitas cassete cabia numa caixa. Eu tinha Roxette, Engenheiros do Hawaii, a trilha internacional de Mulheres de Areia, e depois sobretudo coletâneas de pedaços favoritos de CDs, músicas gravadas do rádio, presentes de amigas que moravam longe e que eu acabei nunca encontrando (a letra da menina de Araraquara era muito mais bonita que a minha). Hoje eu tenho 7.517 canções. Posso levá-las a qualquer lugar. 7.517 canções na sala, na cobertura do prédio, 7.517 canções andando de roller no Gasômetro, deslocando-se pela BR-290, contemplando o céu estrelado no sítio do meu avô. Mas aí eu me pergunto: que preço, emocionalmente falando, nós pagamos pelo benefício de podermos ouvir qualquer música a qualquer momento?
Vamos pensar por contraste. Em uma cena do filme As Vantagens de Ser Invisível – ambientado no tempo da fita cassete –, os três personagens, jovens, cheios de energia, estão andando de carro à noite quando Heroes, de David Bowie, começa a tocar no rádio. A menina se levanta (é um carro conversível e eles estão num túnel agora), abre os braços, um dos meninos olha para ela fascinado, a vida pulsa mais forte, we can be heroes just for one day. Enquanto assistimos à cena, nós, espectadores, sabemos que eles jamais esquecerão aquele pequeno momento compartilhado. Uma memória poderosa – ou o que Milan Kundera chamaria de memória poética – acabou de nascer.
Pulamos para 2013. Atualmente, podemos buscar a trilha sonora perfeita antes mesmo de a memória se formar. Não precisamos contar com o acaso (nosso maior acaso é a função shuffle). Você sente a primeira fagulha de um momento especial e então se apressa a escolher a música que amplificará aquele instante. Sim, você manipula a situação, cria uma memória calculada. É como uma foto do Instagram com pressa de ser velha. Será que isso não está nos causando um estrago emocional? O fato de eu terMidnight City ou Sweet Child o’ Mine sempre comigo torna minha vida uma constante espera pela próxima epifania?
Os protagonistas de As Vantagens de Ser Invisível, aliás, sequer sabiam o nome da música que os colocou em um estado de êxtase e comunhão. Era a "música do túnel", simplesmente. Ficaram torcendo para que ela tocasse de novo. Hoje em dia, qual a chance de não saber e ver o mistério durar?
                                    ( Carol Bensimon)

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