sábado, 3 de janeiro de 2015

A quem pertencem nossos filhos?

                                                   



A um dos mais importantes filósofos do século XIX, Friedrich Nietzsche, é atribuído o ensinamento de que os nossos filhos são, na verdade, filhos da vida. O mesmo filósofo escreveu que “a maturidade do homem consiste em ter reencontrado a seriedade que tinha no jogo quando era criança” e a célebre frase “o que não me destrói me faz forte”. 

As três lições de vida me vieram à mente no decorrer dos dias que antecederam o Natal, no exercício da advocacia. Inúmeros processos definindo guarda e regulamentação de visitas foi objeto de verdadeiro mutirão nos dois cartórios de Varas de Família da Comarca de Santa Maria. Certamente o mesmo ocorreu em diversas outras cidades. Todos com objeto similar: com quem a criança iria passar as festas de final de ano e as férias de verão.

Entre as partes envolvidas, crianças e adolescentes, genitores guardiões e não guardiões, e avós paternos ou maternos. Na condução dos processos advogados, promotores, psicólogos, assistentes sociais, serventuários e juízes... Verdadeiras lutas e acirramento de ânimos que exigiram longas avaliações, mediações, instruções processuais e, finalmente, a decisão judicial terminativa ou temporária, de acordo com cada caso.

Esse aparato judicial que se forma em torno de questões tão singelas é a imagem da imaturidade humana no trato das questões que envolvem sentimentos. A cegueira emocional, formada especialmente pela revolta e desejo de vingança, impede que se possa ter um olhar racional e, ao mesmo tempo, amoroso para os nossas crianças e adolescentes.

Na vida de nossos filhos não há exclusividade de papéis e relacionamentos. Ela é muito mais ampla e rica do que possamos pretender. Por isso não temos como protegê-los ou gerenciá-los incessantemente. Eles não pertencem a ninguém, estão nesse mundo através de nós, sob a nossa responsabilidade, mas são filhos da vida e para ela devem ser preparados. Além daqueles que lhe deram a vida, nossos filhos integram um grupo familiar cujo laço que os une é a afetividade. Ninguém tem o direito de lhes negar o acesso a esse afeto e convivência.

Quando os genitores entram em litígio acerca de detalhes tão pequenos como divisão de férias, Natal e Ano Novo, necessitando de um verdadeiro aparato judicial para tal definição, atestam uma imaturidade que prejudica essencialmente os próprios filhos. Talvez pudessem reencontrar essa maturidade compreendendo que a suportabilidade da dor, da insegurança e do medo, pode lhes fortalecer e auxiliar na busca de uma superação de suas angústias.

Quem sabe os pais, ao superarem a necessidade da intervenção judicial na resolução das questões que envolvem seus próprios filhos, possam deixar florescer o verdadeiro afeto que seus pequenos merecem. Aquele amor isento de egoísmo, onde o verdadeiro bem estar e melhor interesse da criança e do adolescente possa efetivamente acontecer, como dispõe a nossa lei maior. O instrumento para tanto é o diálogo. Um diálogo tão sério e honesto quanto àquele que a criança apresenta nas suas práticas de jogos e brincadeiras, como referiu Nietzsche.

Bernadete Santos

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