sábado, 30 de agosto de 2014

O som que vem do coração...

 
Acordei sábado disposta a colocar em prática o desapego. “De hoje não passa”, falei baixinho, provavelmente tentando convencer a mim mesma que estava mais do que na hora de dar um fim em coisas que pertenceram ao meu passado, mas que hoje não fazem mais sentido algum guardar.
Primeiro, foram as caixas de sapatos lotadas de fitas-cassetes. Juro. Eu ainda guardava fitas com trilhas sonoras de bons momentos da minha adolescência. Músicas românticas que provavelmente embalaram meus primeiros romances, na época das “reuniões dançantes” na garagem da casa dos meus pais. Depois, as baladas nas discotecas da cidade. Mais alguém além de mim ainda tem em casa uma fita ou um disco das Frenéticas? “Abra suas asas, solte suas feras, caia na gandaia, entre nesta festa…”. Gandaia! A meninada de hoje nem sabe o que essa palavra significa.
Não tinha sentido continuar guardando aquelas caixas só pelo valor afetivo. Nem aparelho para escutar as fitas eu tenho. Pronto. Tudo para o saco de lixo.
Depois, foram cadernos antigos, lembranças do tempo de escola, postais enviados por conhecidos que há séculos não encontro mais, fotografias com pessoas que não faço a menor ideia de quem sejam, guardanapos de restaurantes que algum dia, por motivo que não lembro, foram importantes. Hoje, deixaram de ser. A vida é assim mesmo. O que hoje parece essencial, amanhã é passado. E assim sucessivamente.
Olhei papelzinho por papelzinho, foto por foto, lembrancinha por lembrancinha. E voltaram para a caixa somente as coisas que continuam mexendo com minhas emoções. O restante foi fazer companhia às fitas cassetes no lixo reciclado.
Deixei por último, já na tarde do sábado recheado de lembranças, a minha pequena coleção de LPs. Essa parte seria mais difícil. O que podia ser doado já tinha ido embora há muito tempo. Aquela pilha que sobrou _ quase todos de MPB _ são parte da minha história. A coleção inteira do Vinicius, discos antigos do Chico Buarque, da Elis Regina, do Caetano, da Rita Lee… Colocar no lixo nem pensar. “Vende então”, me diz alguém, tentando simplificar minha vida. Pode ser.
Coloquei tudo no carro, sabia onde tinha um sebo de discos. Cheguei na esquina já com uma sensação estranha. Parecia que eu venderia uma parte da minha história _ e uma parte que eu gosto muito. Dei meia volta. Que me importa que eu não tenha um toca-discos? Aquelas músicas estão todas gravadas, em algum lugar do meu coração.
Viviane Bevilacqua
 

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