quarta-feira, 3 de abril de 2013

Um dia além da vida com meu pai...

 
 
 
Se recebe a dádiva de te encontrar mais uma vez, se pudesse desfrutar de tua companhia por mais um dia inteiro, faria tantas coisas das quais tenho saudades e outras que não pude fazer. Nos preparativos para nosso encontro levaria um presente: uma bota, uma camisa xadrez, ou um boné a teu gosto. Teria que levar uma roupa usada também, um confortável e surrado casaco ou uma camisa polo de um dos meus filhos ou de meu marido, e te mentiria que eles não a queriam mais. Claro que teria que levar algum doce caseiro: chimia de frambroesa ou de uva. Levaria melado, comprado na feira, e frutas frescas: butiá, pera e araçá. Telefonaria te avisando sobre a minha visita, e juro, desta vez tu terias que cumprir a famosa ameaça de soltar foguetes quando eu chegasse.

Quando dobrasse a esquina eu te avistaria: com uma vassoura varrendo a calçada ou na sacada, rosto voltado para o lado em que o carro apontaria. Receberia e te daria um grande abraço. O maior e o mais carinhoso de todos. Talvez te desse um beijo no rosto (foram tão poucos) e pegaria na tua mão grande e rude, essas sim eu beijaria, como se fosse de um ídolo, para expressar tudo aquilo que não pude te dizer.

Então entraríamos em casa e te apresentaria teus bisnetos. Sei que ficarias feliz especialmente com a escolha do nome da Virginia, com a esperteza e simpatia do Renan e com a beleza robusta do Gonçalo. Contaria as minhas novidades e ouviria as tuas. Iria ao teu apartamento e faria a tradicional faxina, juro que não reclamaria de nada e deixaria tudo a teu gosto, sem colocar nada fora. Depois faríamos uma grande “programação” juntos.

Visitaríamos a chácara, eu dirigindo (o que nunca fiz na tua companhia), enquanto ouviria teus palpites sobre minha “pilotagem” e as histórias do teu tempo de motorista. Na chácara não brigaria contigo por subir nas árvores, não te apressaria, e ajudaria a colher quantas frutas quisesses. Claro que na volta passaríamos no cemitério, “visitar a mãe”. Talvez esse passeio fosse feito a pé, então cortaríamos caminho pela “Vergueiro”, atalhando por terrenos baldios e tu aproveitarias para colher ervas e folhagens com as quais me presentearia.

Ao meio dia eu cozinharia para ti: polenta, mandioca, feijão. Talvez uma passarinhada ou uma carne com “uma graxinha”. Antes do almoço teus netos te preparariam uma caipirinha bem doce. Então a sobremesa seria uma torta de sorvete, que as “gurias” comprariam, só para te ver saboreá-la como uma criança feliz. Então, no meio da tarde, eu fingiria que não estava bem do “estômago”, só para que tu tivesses que procurar uma “carqueja” para um chá.

Esperaria tu perguntares novamente qual “a programação” e sairíamos passear. Desta vez levando a Luciana. Nosso passeio seria no “São João”, talvez até no “Campo do Meio” ou no “Mato Castelhano”. Na volta, passaríamos na tia Lourdes, na tia Alzira, na tia Maria e no tio Mário. Quando chegássemos, conversaríamos um pouco com o tio Antônio, na frente de casa.

Ao entardecer ouviríamos músicas de todos os estilos. Dançaríamos valsa com “Saudades de Matão”, cantaríamos com Luiz Gonzaga e Gonzaguinha a tua música preferida, “Vida de Viajante”. Pularíamos carnaval com “A Jardineira” e “ As águas vão rolar”. Lembraríamos tantas coisas, falaríamos de política, dos parentes, ouviria tuas queixas e te prometeria pensar com mais seriedade a possibilidade de voltar para Passo Fundo.

Então, quando a hora de voltares se aproximasse, eu me ajoelharia a teus pés e te pediria perdão pelas decepções que te causei. E te diria o quanto te amei e quanto te amo. Falaria como fostes bom pai e avô. Como marcou nossas vidas e sobre a saudade que temos de ti. E no momento da tua partida final, eu e minhas irmãs nos reuniríamos a tua volta e assistiríamos novamente teu último olhar e teu último suspiro. Então, contigo, morreríamos um pouco também.

(Bernadete Schleder Santos)

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