segunda-feira, 8 de abril de 2013

Santa Maria na memória....

O crime múltiplo e brutal, em que muitas são as vítimas e vários os autores, nunca gera
responsabilidades, remorsos nem culpas. Os criminosos se escoram uns nos outros, como se esse conluio diluísse o horror que provocaram. Os anos enferrujam a lembrança e ficamos como nas guerras: quanto mais se mata, mais herói se é.
O povo de Santa Maria que se cuide, portanto! Nada de pedir justiça ampla e profunda ou exigir que o crime da madrugada de 27 de janeiro seja punido em todos os âmbitos. Nada de localizar e identificar a rede de responsáveis. Nada de chegar ao fundo da trama que encadeou e alimentou a morte. Nada de ir ao nascedouro (como tentou ir o minucioso inquérito policial) e ter fatos para denunciar quem se diga perfeito ou quem seja prefeito. Já existem quatro pobres-diabos denunciados como únicos responsáveis pelos 241 jovens asfixiados em meio à alegria da noitada e, portanto, a lei está a salvo!
Para que ir além do que já se conhecia _ que a boate era uma ratoeira e os "fandangueiros" eram piromaníacos musicais?
Por que indignar-se e pretender esmiuçar tudo, tintim por tintim? Isto pode ser tachado de baderna de rua, de quem agita antes de usar, como nas velhas loções de beleza. Indago: deve o povo de Santa Maria (ou do Rio Grande inteiro) exigir mais do que os norte-americanos, que até hoje não sabem quem matou o presidente John Kennedy, com duas balas na cabeça há quase 50 anos em Dallas? Lá, acharam "um culpado", logo morto por "um vingador" na frente de jornalistas e cinegrafistas e ninguém foi além dessa fronteira. Caso resolvido!
Até hoje, porém, os EUA se envergonham por terem se contentado com essa simplificação. Camuflados no poder, os assassinos reais nunca foram denunciados.
Restou um único pobre bode expiatório.

Mas Santa Maria não é Dallas. Tudo é diferente. Dallas era a cidade do ódio e engendrou o crime numa conspiração da direita e da máfia. Com o nome da mãe de Cristo, Santa Maria é de paz e trabalho. De núcleo ferroviário, tornou-se centro universitário. Sempre soube reivindicar, porém, e nos anos 1950-60, quando a política era ainda disputa de ideias e projetos, foi nossa cidade mais politizada.
Esta cidade não pariu a matança. Outros foram os parteiros _ gente entrelaçada numa teia ampla, privada e pública, em que cada qual fugia da obrigação, fazendo o desleixo ter vida própria. Era como se donos da boate e banda, fiscais e inspetores públicos, bombeiros, funcionários estaduais e municipais (e até o prefeito) disputassem o campeonato da desídia para coroar o campeão da inoperância e permissividade.
Consumada a tragédia, todos fogem, escondem-se em pretextos, inventam subterfúgios.
O inquérito policial desnudou o absurdo que permitiu o funcionamento da boate e foi como se os 241 corpos inertes iluminassem o futuro e a morte virasse advertência para garantir a vida. Em todo o país "apertaram" a fiscalização.

Ao oferecer a denúncia em juízo, o Ministério Público suavizou, agora, as conclusões da investigação policial. Quebrou-se a norma de o Ministério Público ser mais rígido que a polícia. Os promotores afirmam ter feito "uma análise técnica" das 13 mil folhas do inquérito (que indiciou 16 e responsabilizou 12 pessoas, entre elas o prefeito) e os denunciados, agora, de fato são quatro: dois da boate e dois da banda. Quatro bombeiros, processados por fraudes processuais, talvez nem cheguem a julgamento.
A "análise técnica" acabou por denunciar só aqueles que eram culpados visíveis desde o momento da tragédia, e o inquérito fez-se ocioso. Ou inútil?
Há quem pergunte quem denunciará, agora, os delegados Arigony, Meinerz e equipe por terem gasto tanto papel, quando tudo já era evidente até sem investigar?

Fávio Tavares  Jornalista e escritor

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