O amor maduro não é menor em intensidade. Ele é apenas quase silencioso. Não é menor em extensão. É mais definido, colorido e poetizado. Não carece de demonstrações: presenteia com a verdade do sentimento. Não precisa de presenças exigidas: amplia-se com as ausências significantes.
O amor maduro tem e quer problemas, sim, como tudo. Mas vive de problemas da felicidade. Problemas da felicidade são formas trabalhosas de construir o bem e o prazer. Problemas da infelicidade não interessam ao amor maduro.
Na felicidade está o encontro de peles, o ficar com o gosto da boca e do cheiro, está a compreensão interior, a emoção vivida em conjunto, os discursos silenciosos da percepção, o prazer de conviver, o equilíbrio de carne e espírito. Carne intensa, alegre, criança, redescobrimento das melhores dimensões pessoais e alma refeita, abastecida de todas as proteções necessárias, um enorme empório de afinidades acima e além de meras concordâncias intelectuais. Os problemas daí derivados são os problemas da felicidade. Problemas, sim, alguns graves. Mas estalantes de um sentimento bom.
Na infelicidade estão a agressão, o desamor, o não conseguir, a rejeição, a dor, o cansaço, a troca com perda, a obrigação, o cansaço, o tédio, o desencontro, o insulto, o ciúme machucante, as futricas de famílias, as peles se eriçando e os toques que dão susto. Os problemas da infelicidade não devem ser trazidos para a trama do amor maduro. O amor maduro é sólido e definido. Mas estranhamente se recolhe quando invadido pelos problemas da infelicidade que fazem glória ao amor imaturo. Acaba acabando.
O amor maduro não disputa, não cobra, pouco pergunta, menos quer saber. Teme, sim. Porém não faz do temor argumento. Basta-se com a própria existência. Alimenta-se do instante presente valorizado e importante porque redentor de todos os equívocos do passado. O amor maduro é regeneração de cada erro. Ele é filho da capacidade de crer e continuar. É o sentimento que se manteve mais forte depois de todas as ameaças, guerras ou inundações existenciais com epidemias de ciúme, controle ou agressividade.
O amor maduro é a valorização do melhor do outro e a relação com a parte de cada pessoa. Ele vive do que não morreu mesmo tendo ficado para depois. Vive do que fermentou criando dimensões novas para sentimentos antigos, jardins abandonados cheios de semente. Ele não pede, tem. Não reivindica, consegue. Não persegue, recebe. Não exige, dá. Não pergunta, adivinha. Existe, para fazer feliz. Só teme o que cansa, machuca ou desgasta.
O amor maduro não precisa de armaduras, coices, cargos, iluminuras, enfeites, papel de presente, flâmulas, hinos, discursos ou medalhas: vive de uma percepção tranquila da essência do outro. Deixa escapar a carência sem que ela pareça paupérrima. Demonstra uma dependência sem que ela se manifeste humilhante.
O amor maduro cresce na verdade e se esconde a cada auto-ilusão. Basta-se com o todo do pouco. Não precisa nem quer nada do muito. Está relacionado com a vida e sua incompletude, por isso é pleno em cada ninharia por ele transformada em paraíso. É feito de compreensão, música e mistério. É a forma sublime de ser adulto e a forma adulta de ser sublime e criança.
É o sol de outono: nítido, mas doce. Luminoso, sem ofuscar. Suave, mas definido. Discreto, mas certo.
Um sol, que aquece até queimar.
(Trecho do livro: Do Amor, Ensaio de Enigma – Artur da Távola)
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