segunda-feira, 26 de maio de 2014

A filosofia dos gatos...



Olho para o meu gato e medito. Medito teologias. Diziam os teólogos de séculos atrás que a harmonia da natureza deve ser o espelho onde os seres humanos devem buscar suas perfeições. O gato é um ser da natureza. Olho para o gato como um espelho. Não percebo nele nenhuma desarmonia. Sinto que devo imitá-lo.
Deitado numa almofada ele se entrega, sem pensar, às delícias do calor macio. Nesse momento ele é um monge budista: nenhum desejo o perturba. Desejos são perturbações na tranquilidade da alma. Ter um desejo é estar infeliz: falta-me alguma coisa, por isso desejo… Mas para o meu gato nada falta. Ele é um ser completo. Por isso ele pode se entregar ao calor do memento presente sem desejar nada. E esse “entregar-se ao momento presente sem desejar nada” tem o nome de preguiça. Preguiça é a virtude dos seres que estão em paz com a vida.

Por pura brincadeira escrevi um livrinho sobre demônios e pecados. Tudo ia muito bem até que cheguei ao pecado da preguiça. Preguiça é fazer nada. Nossa tradição religiosa nada sabe da espiritualidade oriental do Taoísmo que faz do “fazer nada”, “wu-wei”, a virtude suprema.

Alguém disse que preferia os gatos aos cachorros porque não há gatos policiais. Policiais existem para fazer cumprir a lei, o dever. Dentro de mim, desgraçadamente, mora aquele cão policial que Freud deu o nome de “super-ego”: ele rosna ameaças e culpas todas as vezes em que me deito na rede.

Meu gato, na sua imperturbável preguiça, me dá uma lição de filosofica. Não me dá ordens. Ele deve ter aprendido do Tao-Te-Ching que diz que o homem verdadeiramente bom não faz coisa alguma…

Assim, proponho que se acrescente ao direitos humanos já escritos, um outro, para os velhos: “Todos os velhos têm o direito à felicidade da preguiça.” Pois, como o Riobaldo disse: “Ah, a gente, na velhice, carece de ter sua aragem de descanso”.


Rubem Alves

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