Eu confesso: ontem, passeando pelo shopping, dei dicas para o meu marido sobre o que gostaria de ganhar
no Dia das Mães. O problema é: não sou mãe. Pelo menos não no sentido mais real – ou comercial – da palavra. A única criatura que trato como filho em casa é o meu cachorro, um vira-lata chamado Dunga, que tem dois anos.
Me considero mãe do Dunga, mas sei que o assunto divide opiniões. Me deixa explicar meu lado, por favor. Quando adotamos o Dunguinha, redescobri um sentimento de amor diferente, que não sentia desde que ganhei a Bellinha (minha primeira cachorrinha, quemorreu em outubro do ano passado aos 13 aninhos). Minhas amigas, quando têm filhos, dizem que algo acontece como um passe de mágica ao ver a carinha do bebê pela primeira vez. Minha sobrinha (sim, sou tia-avó) teve seu bebê em 18 de abril e, apesar de estar morrendo de cansaço, passou a madrugada toda olhando para o filho no bercinho misturando sentimentos de alívio pela saúde do pequeno, de encantamento e de descobrir que ser mãe era ainda melhor com o baby fora da barriga, ao alcance dos seus beijos.
Amo, adoro, idolatro o meu cachorro, mas sou obrigada a admitir que entendo quem fica indignado quando ouve a expressão “mãe da cachorro”. Em nome de todas que se autointitulam “mães de cachorro”, tomo a liberdade de explicar nosso ponto de vista mais um pouquinho. Nos sentimos responsáveis pela vida daquele animalzinho. Damos comida, remédio, banho, ficamos atentas à saúde, queremos que seja feliz – se jogando numa poça de lama ou roendo nossa almofada preferida. Para quem não tem filhos biológicos – como eu – é o sentimento mais próximo de ser mãe que conheço. Então, por achar que ser mãe de um bebezinho é algo tão nobre, tão digno e um desejo meu tão grande, me sinto invadida por orgulho quando dizem que sou mãe deste senhorzinho de quatro patas aqui ao meu lado.
Na sexta-feira, eu mandei o filho que tenho para a pet shop para tomar um bom banho. Na volta, surpresa: os proprietários mandaram para as mães – ou donas – uma flor e um cartão.
Fiquei envaidecida, pois o que estava escrito ali traduzia o que me faz sentir mãe de cachorro. Escolhemos, eu e meu marido, o Dunga através de uma listinha de cachorros abandonados e vítimas de maus tratos. O acolhemos, ensinamos a não ter medo de nós e a se acostumar com as coisas boas da vida (no caso, ter comida, água, banho, remédios e amor todo dia). Levei em veterinários, li livros como sobre como fazer meu dog se sentir mais acolhido e menos medroso. Por ter vivido muito tempo na rua, foi espancado, pegou chuva e sabe-se lá mais o que. Eu queria que ele entendesse que nada mais daquilo iria acontecer. É o mais próximo que até hoje vivi de um sentimento materno.
Soube que alguns psicólogos “receitam” cachorros para casais indecisos sobre ter filhos. Entendo. A dinâmica do meu relacionamento mudou muito depois que o Dunga chegou aqui em casa (a querida Bellinha morava com a minha mãe). Reorganizamos nossos horários para levar para passeios, banho, consultas. Incluímos sacolinhas para recolher cocô na lista de compras. Quando um de nós está cansado ou extremamente atarefado, o outro dá uma dose dupla de amor e carinho para o cachorro.
Quando eu era pequena, dizia ser mãe das minhas bonecas e ninguém questionava. Era impossível, pois se tratava de pano e pelúcia, mas dentro de mim o sentimento era parecido com o de maternidade. Eu cobria a Peposa (quem é da década de 80 lembra dela) antes de dormir, dava bom dia ao acordar, trocava a roupa dela. Minha família achava bonitinho. Hoje, tem gente que estranha quando me avanço de beijos no cachorro e digo um “vem aqui com a mãe” no meio da rua. Sei que é diferente. Mas o sentimento, aquele lá dos tempos da boneca, é o mesmo.
Tenho a humildade de reconhecer que só saberei o real sentido da maternidade ao sentir um bebezinho mexendo dentro de mim e vendo aquele pequeno depender totalmente dos meus cuidados. Não, espera aí. Eu também penso exatamente igual sobre adotar uma criança. Ela não terá sido gerada por mim, não terá se mexido na minha barriga, mas vai depender do meu empenho e a partir dela me sentirei mãe.
A minha mãe me criou trabalhando muito, às vezes ficando uma semana inteira sem falar comigo (quando saía, eu estava dormindo; quando chegava, eu já estava dormindo de novo). Eu sentia que nossa convivência era diferente quando comparada com a de amigas e primas, que tinham suas mãe como donas de casa ao seu lado o tempo todo. Mas nunca, nunca, nunca, me senti menos filha ou vi a Dona Nelma menos como mãe. Sempre soube que ela estaria ao alcance de um telefonema se eu precisasse. E isso me preenchia de novo com o sentimento de ter mãe como todos os meus amigos tinham.
Voltarei a escrever sobre o assunto quando tiver um bebê. Talvez eu volte atrás em todas as minhas convicções e diga que ser mãe é “isso aqui, não aquilo que eu tinha com o cachorro”. Talvez não. E eu aposto no não. Não dizem que “pai é quem cria?”. Pois mãe é quem dá amor, cuidados, pensa no futuro de seu amado e torce pela sua felicidade. É por isso que peço: tenham paciência com esse pessoal que dizer ser mãe de cachorro. Não queremos ofender. Só queremos apontar que somos cheias de amor por um serzinho que depende de nós tanto quanto um bebezinho depende de sua mãe biológica – se não dermos ração ou o peito, não sabem ir sozinhos para o fogão e preparar uma omelete.
Espero com ansiedade o dia de entender se existe ou não um sentimento diferente sobre ser mãe de criança ou mãe de cachorro. Por enquanto, só quero que meu filho de quatro patas tenha conforto e amor incondicional. E essas são duas qualidade de mãe, não são?
Eu e Dunga pelas lentes da fotógrafa Andréa Graiz.
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