quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Luto e Renascimento...



Nesse debate sobre perdas observei como lidamos mal com a dor uns dos outros.
 Entre nós, estar alegrinho e parecer feliz é quase um dever, uma questão de higiene, como tomar banho e estar perfumado. Mas às vezes a gente tem de se permitir sofrer – ou permitir que o outro sofra. 

Todos nós, amigos, família, terapeutas, médicos, sentimos duramente nossa própria limitação quando alguém sofre e não podemos ajudar.

 Em certos momentos é melhor não tentar interferir, apenas oferecer nossa presença e atender se formos chamados.
 Que o outro saiba que estamos ali. Mas não (se) permitir o prazo normal de dor é irreal.
 Quando é hora de sofrer não teremos de pedir licença para sentir – e esgotar – a dor. Sofrimento, pobreza, abandono, morte – são ameaças, corpos estranhos numa sociedade cujos lemas parecem ser agitar, não parar, não pensar, não sofrer.
 A dor incomoda. A quietude perturba. O recolhimento intriga e incomoda os demais: “Ele deve estar doente, deve estar mal, vai ver é depressão, quem sabe um drinquezinho, uma nova amante, um novo namorado…”
 Para não se inquietarem, para não terem de “parar para pensar”, ou apenas porque nos amam e nosso sofrimento os perturba, a toda hora nos dão um empurrãozinho: “Reaja, vamos, saia de casa, pára de chorar, bote um vestido bonito, vamos ao cinema, vamos jantar fora.” Também para isso haverá uma hora certa.
 O luto é necessário – ou a dor ficará soterrada debaixo da futilidade, sua raiz enterrando-se ainda mais fundo, seu fogo queimando nossas últimas reservas de vitalidade, e fechando todas as saídas. 
Não vou me alegrar jantando fora quando perdi meu amor, perdi minha saúde, perdi meu amigo, perdi meu emprego, perdi minha ilusão… perdi algo que dói, seja o que for. Então, por um momento, uma semana, um mês ou mais, me deixem sofrer.
 Permitam-me o luto no período sensato. Me ajudem não interferindo demais. O telefonema, a flor, a visita, o abraço, sim, mas por favor, não me peçam alegria sempre e sem trégua. Se não formos demais doentes nem perversos, a dor por fim se consumirá em si mesma. Se soubermos escutar o chamado – que pode ser até mesmo um bilhete amigo.
 Alguma coisa positiva vai nos fazer dar o primeiro passo para fora da UTI emocional em que a perda nos colocou. Um dia espiamos para o corredor, passamos da UTI para um quarto, finalmente olhamos a rua e estamos de novo em movimento. 
Ainda estamos vivos, ainda em processo, até morrer.

(Lya Luft, em Perdas e Ganhos, no capítulo Luto e Renascimento)

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