
Filhos.
Uma pessoa, quando ganha um filho, deixa um
pouco de ser, ela mesma, filha. Sua condição muda. Agora ela não é mais apenas
receptora, é também doadora de amor.
A realização do ser humano é
tornar-se doador de amor, mais do que receptor. Claro, essa realização não se dá
apenas com a paternidade e a maternidade. Padrinhos e madrinhas, tios e tias e
até amores românticos podem suprir essa necessidade de amar.
Mas o objeto
de amor, o filho, enquanto ele vive só na condição de filho, é como se ele
estivesse no começo, como se estivesse na fase de estreias da existência. Há
muito ainda pela frente e, por ele não saber o que há pela frente, há quem o
vele e guarde - são os seus pais.
Um filho que já teve filho lega a seus
próprios pais outro ser para guardar e velar: o neto. Quer dizer: o amor que os
pais tinham por aquele filho, de certa forma, é um amor já realizado, como o de
amantes que se casaram. O amor continua, mas, por ser realizado, é um amor
aplacado da gana e da fúria, é um amor sem ansiedade, um amor de primavera, não
de verão.
Já um filho que ainda não teve filho é objeto de um amor
pulsante, um amor aflito, que acorda de madrugada para contar a ausência do ser
amado no relógio.
Os jovens que estavam deitados sem vida no ginásio de
Santa Maria encontravam-se nessa condição. Eles eram filhos. Raríssimos deviam
ser pais. Talvez nenhum o fosse. Não por acaso, o celular de um deles tocava sem
parar, 10, 20, 30 vezes. Os voluntários olhavam para o celular, depositado sobre
o peito do jovem morto e liam no painel quem chamava: "Mãe".
Foi isso que
me pegou: pensar nas mães e nos pais daqueles meninos e meninas. Porque todos
acham que os filhos são dependentes dos cuidados dos pais, quando é o contrário:
os pais é que são dependentes do bem-estar dos filhos. Pois, afinal, o amor que
se dá é muito mais valioso do que o amor que se recebe. Pois, afinal, amar acaba
sendo mais importante do que ser amado
(David Coimbra)
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