* Cirurgião torácico e chefe do Setor de Transplantes da Santa Casa de Misericórdia, J. J. Camargo sabe que a velhice não se limita ao tempo vivido
Considerando-se a diversidade de comportamento dos idosos, fica claro que o diagnóstico de velhice não se restringe ao tempo vivido.
Não há dúvida que pensamos em alguém como um velho pela sua atitude, antes que nos interessemos em saber a sua idade.
Se o rótulo de "velho" depende de questões tão subjetivas como atividade mental, interesse pelo meio que o cerca, preservação do humor e outros itens igualmente não mensuráveis, parece adequado que utilizemos estereótipos consagrados:
– William Shakespeare definiu velho como uma pessoa que é 20 anos mais velha do que a gente, e estamos conversados. Cada um terá o velho identificado à sua maneira, sem mais especificações. Não importa se ele recém começa a ficar grisalho ou se já desfruta com naturalidade de estacionamento especial no shopping.
– Ziraldo, cabelos brancos, roupa despojada e deboche no olhar e nos gestos, falando de uma vida que assumiu como bem-sucedida, reconheceu que além das coisas materiais que conquistara, ele estava além da vingança.
Instado a explicar, reconheceu que passamos a vida tendo vontade de nos vingar de alguém: na infância, da tia que insiste que educado é o priminho, na escola, da professora que não para de elogiar a inteligência do colega almofadinha, no clube, de menina linda que anuncia que o amiguinho afeminado é que sabe dançar, no trabalho, do chefe que não se constrange em promover o rival puxa-saco. E assim vamos domando os ódios até que passam os anos e então, um dia, percebemos que não temos ninguém de quem queiramos nos vingar.
Conclusão: envelhecemos. Nessa hora podemos até nos deprimir ao perceber que alguns desafetos mais apressados já morreram, e nem fomos capazes de contribuir para isso!
– Quando Carlos Drummond de Andrade, um antissocial assumido, avesso a qualquer tipo de exposição pública, completou 75 anos, viveu a experiência desagradável de ter sua casa invadida por um bando de repórteres.
Quando perguntado como se sentia naquela idade ele respondeu, furioso: "Como um velho!". Pressionado com a pergunta: "E como é que a gente sabe que está velho?", ele completou: "Quando não temos mais vagas para amigos novos!".
– Afonso Tarantino, com seus 97 anos de lucidez irreverente, reconhece seus contemporâneos pelo prazer com que se reúnem para comentar o tamanho do prejuízo que têm causado aos planos de saúde. Segundo ele, mais prazer nessa vingança, mais velhice.
Esses modelos de velhos são reconhecidos e eloquentes, mas certamente estão à espera de outros. Se a vida já lhe deu rodagem para acrescentar algum, fique à vontade.
Se não, aguarde a sua vez. E torça para se tornar uma autoridade no assunto.
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