Naquela turma, o começo pareceu promissor, os olhos brilhantes e ligados, a economia de gestos revelando concentração, as sacudidas positivas de cabeça apontando concordância, e o riso espontâneo prometendo intimidade no futuro. Melhor não se podia esperar.
Quando saímos do assunto técnico da aula para a discussão de um tema de relação médico/paciente, a adesão foi completa. Ninguém podia duvidar, iríamos nos entender. Os anos ensinaram a reconhecer quando a exultação no final da aula se deve a encantamento pelo aprendizado, e não a alívio pelo fim do martírio.
Fora de questão, tínhamos acertado a mão.
Quando toda a turma já tinha saído, uma aluna ainda arrumava calmamente a sua mochila. Ao se aproximar, abriu os braços e me envolveu. Ficamos um tempo assim. Como a iniciativa do abraço não tinha sido minha, fiquei esperando pelas palavras. Que escorreram rápidas, quando já se afastava: “Obrigada por me ensinar!”
Recordei esta história, um dia desses, quando falei numa assembleia de professores, para discutir o papel dos que ensinam, suas vicissitudes e apreensões, suas angústias e responsabilidades, suas expectativas de reconhecimento atropeladas por decepções repetidas, sem que nada consiga embargar o fascínio que nos move e que nasce do brilho do olho dos que escutam.
E não pensem que a alegria é proporcional ao nível intelectual dos aprendizes. Nada disso. A euforia é cria da descoberta. O entusiasmo é fruto do novo. E a empolgação é babá da esperança. E em qualquer idade.
Todo professor apaixonado sabe intimamente que fazer parte disso é dádiva do destino, que nos colocou no caminho de mentes vorazes por aprender, mais e mais, porque essa roda não tem fim. Mesmo que tantas vezes se cometa a injustiça de retardar esse deslumbramento.
O grande mestre Paulo Freire estava no sertão de Sergipe, em uma nova jornada de trabalho com um grupo de camponeses muito pobres, que começavam a ser alfabetizados.
“Como estás João, tudo bem?”
João se calou, tirou o chapéu, olhou o horizonte e por fim disse: “Não consegui dormir. Toda a noite sem pregar os olhos!” Mais palavras não saíram da sua boca, até que ele murmurou: “Ontem eu escrevi meu nome, pela primeira vez!”
J. J. Camargo é cirurgião torácico e chefe do Setor de Transplantes da Santa Casa de Misericórida*
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