Uma coisa pra se fazer na vida antes de morrer: conhecer o fundo do mar. Estive uma vez em Fernando de Noronha e foi uma experiência transformadora. Entendi completamente o sentido da palavra mergulhar.
Não sei se pelo estado de alerta que você fica à espera das surpresas submarinas, pela incrível sensação de flutuar no abismo ou simplesmente pelo único som que lhe resta ser o esquecido compasso da sua respiração, você acaba entrando num estado de concentração único e inesquecível. Um verdadeiro mergulho.
Pouco tempo depois dessa experiência, li no jornal sobre o casal que sobreviveu ao tsunami por estar justamente mergulhando. Pensar que tudo aquilo lhes passou por cima e eles continuaram a ouvir o som de suas respirações. Se estivessem navegando, teriam sido trucidados. Estar mergulhando, o que parecia mais perigoso, os salvou.
Gosto desta história. Acho bonita e irônica. Salvar-se no profundo. Salvar-se por mergulhar. Além de inacreditáveis tartarugas gigantes, o mar também nos oferece muitas metáforas. Fernando Pessoa e Dorival Caymmi se fartaram nelas. Navegar é preciso, viver não é preciso.
Passando de novo os olhos pelos versos do poeta, não consigo deixar de pensar em outro mar. Quantos de nós têm deixado de viver pra navegar? Nosso mundo virtual também vive se utilizando de imagens marinhas, mas o que diria um pescador de Caymmi se soubesse que navegamos na rede?
Já acho curioso falarmos navegar. A janela azul aberta ao mundo virtual parecia coisa de ficção científica, uma tela que nos tragaria da cadeira para um mergulho em outros mundos. Mergulhar pareceria ser o verbo perfeito e até justificaria o efeito de ausência surda e muda que baixa sobre nós, seres de faces azuis, capturados.
Mas o verbo virtual é navegar. Pensando bem, é justo. É algo que anda na superfície. Você quer um site e lhe são oferecidos outros tantos. Janelas que abrem para janelas. A cada clique, outra centena de possibilidades.
Tudo se espalha numa ramificação eterna e quando você resolve mergulhar é inevitável a sensação de perda do que poderia estar escondido no imenso mar oferecido à sua navegação. Sinto que a rede nos força naturalmente à superfície em suas imensas possibilidades.
Volto ao casal mergulhador e penso nos meus mergulhos literários de três horas sem sentir o tempo, na sala escura do cinema, nas peças de teatro e em quantas coisas que nos salvam por serem estados de mergulho pleno. Mergulhar é preciso.
(Denise Fraga)
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