domingo, 3 de junho de 2012

Avôs...




Fila de banco. Dois senhores com ar distinto, um atrás do outro. Os dois engravatados, respeitabilíssimos. O senhor de trás nota um desenho colorido nas costas da mão do senhor da frente e pergunta:

– Neto?

– Neta – diz o outro.

– Eu também – diz o primeiro, mostrando um desenho nas costas da própria mão.

– Ela diz que é uma borboleta. Eu não acho nada parecido com uma borboleta, mas vou discutir com ela?

– A minha insiste que isto é um gato de chapéu, e não quer ouvir o contrário.

– Não aceitam críticas.

– No outro dia, eu disse: “Que bonito, você fez uma pintura abstrata...” Ela não quis saber de pintura abstrata. Era um sapo vermelho no meio de um lago azul, eu não estava vendo?

– Elas ficam bravas.

– Ficam. Só falta nos chamarem de burros. E quando a gente vai lavar a mão para tirar a tinta?

– Fazem um escândalo. Estamos destruindo as suas obras de arte.

– A sua pinta, o seu rosto também?

– Pinta. Diz que é maquiagem. Há dias eu estava dormindo a sesta e quando acordei estava com o rosto todo pintado. Pó, batom, blush, tudo que ela pega da mãe dela.

– A minha só usa o batom. Mas passa batom em todo o meu rosto, menos nos lábios. Na ponta do nariz, nas faces... Faz desenhos com batom na minha testa e exige que eu nunca mais lave o rosto.

– Não é formidável?

– É fantástico.

– Vou confessar uma coisa. Eu não sabia o que era a felicidade até o dia em que minha neta desenhou cabelos na minha careca com tinta preta. Foi um escândalo em casa. Mas como, sujando a cabeça do vovô desse jeito?! Ela explicou que era para tapar a careca, para o vovô ficar mais bonito. Botaram ela de castigo, ameaçaram jogar fora as suas tintas, foi uma choradeira só. E eu feliz da vida. Olhe só, ainda tem um resto de tinta aqui...

– Elas são maravilhosas...

– Mas depois crescem.

– Tem isso. Crescem depressa demais. Começam a achar avô chato...

– Eu me vejo daqui a poucos anos andando atrás da minha e pedindo: “Não quer pintar a mão do vovô?”

– É . “Pinta o rosto do vovô de palhaço, pinta”.

– Vamos ter que pedir por favor.

– E elas nada. E daqui a pouco são umas mulheres feitas...

– A verdade é que ser avô dura muito pouco.

– Muito. Temos que aproveitar o momento, que passa rápido. Aproveitar antes que desbote.

– Como uma pintura na mão.

– Isso. Olha, acho que aquele guichê ficou livre.

– Vou lá. Muito prazer, viu?

– Prazer.                                        (Luiz Fernando Veríssimo)


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