– Neto?
– Neta – diz o outro.
– Eu também – diz o primeiro, mostrando um desenho nas costas da própria mão.
– Ela diz que é uma borboleta. Eu não acho nada parecido com uma borboleta, mas vou discutir com ela?
– A minha insiste que isto é um gato de chapéu, e não quer ouvir o contrário.
– Não aceitam críticas.
– No outro dia, eu disse: “Que bonito, você fez uma pintura abstrata...” Ela não quis saber de pintura abstrata. Era um sapo vermelho no meio de um lago azul, eu não estava vendo?
– Elas ficam bravas.
– Ficam. Só falta nos chamarem de burros. E quando a gente vai lavar a mão para tirar a tinta?
– Fazem um escândalo. Estamos destruindo as suas obras de arte.
– A sua pinta, o seu rosto também?
– Pinta. Diz que é maquiagem. Há dias eu estava dormindo a sesta e quando acordei estava com o rosto todo pintado. Pó, batom, blush, tudo que ela pega da mãe dela.
– A minha só usa o batom. Mas passa batom em todo o meu rosto, menos nos lábios. Na ponta do nariz, nas faces... Faz desenhos com batom na minha testa e exige que eu nunca mais lave o rosto.
– Não é formidável?
– É fantástico.
– Vou confessar uma coisa. Eu não sabia o que era a felicidade até o dia em que minha neta desenhou cabelos na minha careca com tinta preta. Foi um escândalo em casa. Mas como, sujando a cabeça do vovô desse jeito?! Ela explicou que era para tapar a careca, para o vovô ficar mais bonito. Botaram ela de castigo, ameaçaram jogar fora as suas tintas, foi uma choradeira só. E eu feliz da vida. Olhe só, ainda tem um resto de tinta aqui...
– Elas são maravilhosas...
– Mas depois crescem.
– Tem isso. Crescem depressa demais. Começam a achar avô chato...
– Eu me vejo daqui a poucos anos andando atrás da minha e pedindo: “Não quer pintar a mão do vovô?”
– É . “Pinta o rosto do vovô de palhaço, pinta”.
– Vamos ter que pedir por favor.
– E elas nada. E daqui a pouco são umas mulheres feitas...
– A verdade é que ser avô dura muito pouco.
– Muito. Temos que aproveitar o momento, que passa rápido. Aproveitar antes que desbote.
– Como uma pintura na mão.
– Isso. Olha, acho que aquele guichê ficou livre.
– Vou lá. Muito prazer, viu?
– Prazer. (Luiz Fernando Veríssimo)
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