*J.J. Camargo é cirurgião torácico e chefe do Setor de Transplantes da Santa Casa de Misericórdia e presidente da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM) Einstein escreveu que educação é aquilo que fica depois que você esquece o que a escola lhe ensinou. Sempre que sinto falta do meu pai, lembro disso. E me apego ao seu modelo transmitido sem discursos. Um misto de sabedoria e intuição. Direto e limpo.
Ele era um homem simples e puro, de pensamento vertical, com raras dúvidas, e certezas tão positivas que não lembro de tê-lo visto deprimido ou triste, mesmo diante dessas decepções previsíveis ou insuspeitadas que a vida sempre dá um jeito de arranjar.
Se no almoço de amanhã ele ainda estivesse por aqui, pediria a palavra para homenageá-lo com duas histórias que resumem o pai maravilhoso que ele foi, e sem fazer força, porque aquele era o seu jeito único de ser.
Aos 17 anos, eu tinha feito um terceiro ano do curso científico (era assim que se chamava o Ensino Médio) menos caprichado, e disposto a recuperar o tempo perdido em infindáveis partidas de sinuca, me recolhi na fazenda em companhia de um amigo que tinha material invejável de dois cursinhos consecutivos, e estudei em média 16 horas por dia, e cheguei a ficar 20 dias sem nem um fim de semana na cidade. Várias pessoas da família, comovidas com o esforço, tentavam desastradamente me consolar dizendo: "Calma, não se estresse tanto, você é tão novo! Se não der, no ano que vem você passa!"
E eu ficava remoendo ("Como assim, tudo de novo? E esse esforço, por nada?") Cada consolo só aumentava a solidão desesperada de não ser entendido, e a sensação de que cada um devia cuidar da munição para as suas próprias batalhas.
Quando finalmente chegou o dia da viagem, fomos em silêncio até a estação rodoviária, mas ao embarcar no ônibus ganhei um abraço mais demorado e o que precisava ouvir: "Vai lá e mostra pra aqueles caras que nesta família também tem pedigree". Chorei no ônibus, e ainda hoje sinto vontade de chorar quando lembro daquele abraço, da loção de barba recém feita e do cheiro bom que meu pai tinha.
Meu irmão mais moço, nove anos menos do que eu, foi quem mais curtiu o privilégio do convívio. Numa madrugada de juventude irresponsável, ele voltou para casa ao amanhecer e encontrou o pai pronto para a viagem diária até a fazenda. Depois de rápida troca de roupas, entraram na camionete e então o pai percebeu que, no console entre os bancos, havia um pacotinho de maconha.
Nosso velho teria ficado olhando o vazio por um tempo e então, inesperadamente, disse: "Meu filho, venha cá que eu preciso te dar um abraço!"
E ficaram ali, num abraço longo e silencioso. Nunca mais tocaram no assunto. O bom didata usa frases curtas.
Naquela noite, meu irmão devolveu o presente ao companheiro de festas com um argumento definitivo: "Guarde esta porcaria. Não posso magoar um pai tão parceiro que, quando descobre que estou fumando maconha, me pede que lhe dê um abraço!"
O que aquele homem simples sabia ensinar como ninguém é que é muito mais difícil trair um amigo generoso do que um ranzinza repressor.
Que falta, meu velho, você fará no almoço de amanhã!
Ele era um homem simples e puro, de pensamento vertical, com raras dúvidas, e certezas tão positivas que não lembro de tê-lo visto deprimido ou triste, mesmo diante dessas decepções previsíveis ou insuspeitadas que a vida sempre dá um jeito de arranjar.
Se no almoço de amanhã ele ainda estivesse por aqui, pediria a palavra para homenageá-lo com duas histórias que resumem o pai maravilhoso que ele foi, e sem fazer força, porque aquele era o seu jeito único de ser.
Aos 17 anos, eu tinha feito um terceiro ano do curso científico (era assim que se chamava o Ensino Médio) menos caprichado, e disposto a recuperar o tempo perdido em infindáveis partidas de sinuca, me recolhi na fazenda em companhia de um amigo que tinha material invejável de dois cursinhos consecutivos, e estudei em média 16 horas por dia, e cheguei a ficar 20 dias sem nem um fim de semana na cidade. Várias pessoas da família, comovidas com o esforço, tentavam desastradamente me consolar dizendo: "Calma, não se estresse tanto, você é tão novo! Se não der, no ano que vem você passa!"
E eu ficava remoendo ("Como assim, tudo de novo? E esse esforço, por nada?") Cada consolo só aumentava a solidão desesperada de não ser entendido, e a sensação de que cada um devia cuidar da munição para as suas próprias batalhas.
Quando finalmente chegou o dia da viagem, fomos em silêncio até a estação rodoviária, mas ao embarcar no ônibus ganhei um abraço mais demorado e o que precisava ouvir: "Vai lá e mostra pra aqueles caras que nesta família também tem pedigree". Chorei no ônibus, e ainda hoje sinto vontade de chorar quando lembro daquele abraço, da loção de barba recém feita e do cheiro bom que meu pai tinha.
Meu irmão mais moço, nove anos menos do que eu, foi quem mais curtiu o privilégio do convívio. Numa madrugada de juventude irresponsável, ele voltou para casa ao amanhecer e encontrou o pai pronto para a viagem diária até a fazenda. Depois de rápida troca de roupas, entraram na camionete e então o pai percebeu que, no console entre os bancos, havia um pacotinho de maconha.
Nosso velho teria ficado olhando o vazio por um tempo e então, inesperadamente, disse: "Meu filho, venha cá que eu preciso te dar um abraço!"
E ficaram ali, num abraço longo e silencioso. Nunca mais tocaram no assunto. O bom didata usa frases curtas.
Naquela noite, meu irmão devolveu o presente ao companheiro de festas com um argumento definitivo: "Guarde esta porcaria. Não posso magoar um pai tão parceiro que, quando descobre que estou fumando maconha, me pede que lhe dê um abraço!"
O que aquele homem simples sabia ensinar como ninguém é que é muito mais difícil trair um amigo generoso do que um ranzinza repressor.
Que falta, meu velho, você fará no almoço de amanhã!
JJCamargo
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