Dez anos se passaram desde nosso último encontro. A lembrança
que ficou é exatamente a que deveria ser apagada: um corpo fragilizado, uma
respiração difícil, um olhar sem brilho e apático e um gemido doloroso. Uma
família reunida em torno de uma tremenda dor: a dor da despedida. Tento lembrar
outros tempos, dos dias mais felizes e promissores. Os detalhes que recordo são
do seu uniforme de ginásio, o cabelo preso por uma tiara branca, a música antiga
e romântica tocando baixinho no rádio, enquanto, sentada na poltrona da sala,
bordava delicadamente. As aulas do curso noturno. O som do acordeão. A aprovação
no concorrido concurso público. As primeiras compras com o primeiro salário. Os
presentes, as viagens, as críticas e a constante preocupação com a família. Os
planos, os eternos e incessantes planos, que mostravam um espírito aventureiro,
onde a inquietude era constante. O amor pelas artes: a pintura, a música, a
decoração, a dança... O gosto pelas viagens, pela novidade, pela fotografia,
pela psicologia, pela leitura, pela criatividade. Hoje é possível entender a sua
necessidade de rapidamente experimentar tudo: seu tempo de vida era inversamente
proporcional a sua vontade de viver. Mesmo nos últimos dias, quando sabia o que
lhe estava reservado, nunca deixou de fazer planos. Talvez a sua fé espírita lhe
apontasse para uma nova oportunidade de vida, ou talvez entendesse que, enquanto
planejasse um futuro, ainda estaria usufruindo de um viver. Foi minha mãe
substituta e, para meus filhos, foi tia, madrinha e verdadeira avó. Soube me
acolher e proteger quando foi necessário. Deixou-me vários ensinamentos como
herança. Tivemos muitos desentendimentos, mas com nenhuma outra pessoa tive
maior intimidade. Sua generosidade, inclusive com pessoas estranhas, certamente
foi seu maior legado. Não tive oportunidade de lhe falar sobre a importância que
teve na minha vida, mas talvez isso não tenha sido necessário. Sua mão apertando
a minha nos momentos de maior sofrimento, seu pedido de companhia no momento da
prece, quando sentiu a proximidade do perigo, foram suficientes para perceber
que, mais do que o laço de sangue e os anos de convivência, havia entre nós uma
cumplicidade fraterna e um vínculo de afetividade que ultrapassou o sentido da
palavra “irmã”.
(Dete 18/07/2010)
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