Meu pequeno homem-cacto tem um semblante sempre sisudo, parece eternamente enfezado (são seus espinhos); isso ele julga útil para que ninguém se manifeste no momento de um dos seus possíveis tombos diários, por exemplo. Ele caminha de forma independente, mas com dificuldade, agora acompanhado de uma muleta azul. Eu diria ainda que ele tem as sobrancelhas de Monteiro Lobato ou quem sabe de Tom Selleck, se preferirem. Elas se unem mais ainda quando ele, deliberadamente, cerra o cenho e aperta os lábios, condição que usa quando contrariado ou quando está para iniciar qualquer ação que vai exigir esforço (caminhar, fazer provas, defender-se em uma discussão ou argumentar sobre suas ideias, pregar uma mentirinha sobre quem não estendeu a toalha etc.).
Numa primeira olhada, dificilmente alguém o acharia simpático. Mas quem tiver paciência na espera verá, embora raramente, a flor deslumbrante que é o seu sorriso, exatamente como a dos cactos: enorme, colorida, surpreendente; saberá que se esse sorriso vier junto com olhos nos olhos, coisa que também não é fácil acontecer, receberá um presente. Eu, pelo menos, vivo esperando por essa conjunção, mais do que esperaria pelo alinhamento de astros. Bem, embora já soubesse da inutilidade de arrastar à praia cadeira e guarda-sol, insisti, mas na verdade, à beira-mar, minha missão não é descansar; a toda hora, devo salvar meu filho-cacto da “violência” das marolas que quebram na areia, com força suficiente para desequilibrá-lo. Não tenho poder de impedir aquele conluio de vai e vem marinho, areia movediça e sua paixão por água gelada!
Mães que criam quatro filhos logo se tornam sempre alertas e hipervigilantes. Por conta dessa característica, já havia percebido uma mulher sentada na areia, a poucos metros de nós, e o seu olhar triste perdido na linha do horizonte. De repente, do mar, observo a praia, e vejo a mulher, que até então não havia trocado olhares ou palavras comigo, caminhar em direção a meu filho e envolve-lo num abraço sentido. Ao me aproximar, ela disse, simplesmente: “Eu tive um assim, mas ele já se foi, há 20 anos. Quando vi vocês dois… eram as mesmas cenas”.
Por um breve momento, tempo tão curto, que ninguém ao nosso redor percebeu, também nos abraçamos e choramos juntas. Não sei por que, mas depois de consolála um pouco, lancei a indefectível e afetada frase padrão desses momentos: “fomos escolhidas, tu sabes disso”. Ela balançou a cabeça, concordando, e se afastou. Detestei ter dito aquilo; não gosto de alimentar esses códigos velados de sofrimento infringido e inevitável, aos quais deveríamos nos submeter estoicamente. Nós, mães de filhos especiais, não somos melhores que as outras. Nem mártires, nem exemplos de bondade ou contêineres de paciência. Agora, acho, sim, que somos muito, muito fortes. Criar filhos inclui observar, muitas vezes impotentes, os dardos que a vida lança em seus corpos inexperientes, sempre tão frágeis. Então, quando esses corpos ou espíritos chegam a nós mais frágeis ainda; quando essas almas e corações são mais feridos que o devidamente tolerável, pelo desdém de namorados que não terão, pela ignorância das tribos descoladas que os rejeitarão, pela insensibilidade dos olhares curiosos, pelas impossibilidades, eu diria: “Para criar esses filhos, é preciso arrancar a pele e assim, desprotegidas, suportar como eles a dor de ser diferente.”
Minha Nossa Senhora! Como é difícil mencionar essas coisas sem falar em Deus!
Dandara Flores Aranguiz,
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