Sinta-se em casa e entenda o que faz do lar o ponto mais importante do seu mapa sentimental
Parece que em nenhum outro lugar do mundo somos tão bem-vindos e nos sentimos tão reconfortados quanto em nossa morada. E realmente é nela que retomamos o contato com o nosso eu mais autêntico, que estava escondido nos bastidores esperando só que o dia acabasse. É na sua privacidade que você pode se jogar no sofá, estender as pernas e, por uns instantes, dar as costas para o mundo.
Abrigo para o corpo
As casas se tornaram o lugar que nos protege do ambiente em que vivemos: é lá que estamos seguros, resguardados do frio, da chuva... Mas o conceito de casa como conhecemos hoje surgiu no Império Romano, com as construções de madeira e barro.
Um dos maiores arquitetos desse período, o romano Marcos Vitrúvio foi o primeiro a teorizar sobre a essência da casa. Para ele, ela estava justamente na lareira, cujo fogo era o elemento inseparável das cabanas rústicas. Em seu tratado De Architectura, ele relata que "com o fogo surgiram entre os homens as reuniões, as assembleias e a vida em comum". E também a convivência doméstica. "A palavra lar é uma corruptela de lareira. Tem a ver com o conceito do fogo de unir ao seu redor todos os integrantes de um laço familiar, sendo, de modo figurativo, um manto que aquece, aproxima e protege todos os seus integrantes", afirma Jorge Marão Miguel, diretor do Centro de Tecnologia e Urbanismo da Universidade Estadual de Londrina.
Refúgio para a alma
Essa proteção pura e simples ganhou uma relação afetuosa com o passar dos séculos. Saber que temos onde morar, deixar nossos pertences e viver nossa vida íntima nos dá uma segurança tremenda. Porque a moradia representa o controle que temos sobre nossa vida privada. É a proteção da nossa incerteza da existência, como dizia Sigmund Freud.
Outro ramo da psicologia, a psicologia ambiental, defende que ao mesmo tempo que o homem modifica o meio, é também modificado e influenciado por ele. Dessa forma, a casa em que vivemos tem um papel importante no desenvolvimento de nossa personalidade. Ela é a extensão do nosso "eu". "As primeiras impressões afetivas de um indivíduo surgem na infância, geralmente no lar, que é o lugar em que passamos mais tempo quando somos bebês. Por isso o conceito de lar está tão ligado à família em nossa mente", diz Zenith Delabrida, do Laboratório de Psicologia Ambiental da Universidade de Brasília.
Onde mora o afeto
Mas por que será que é só na nossa casa que temos a sensação de conforto absoluto? O filósofo Alain de Botton nos dá a pista. No livro A Arquitetura da Felicidade, defende que o lar reflete nossa personalidade, é ele o guardião da nossa identidade. É dentro da nossa própria morada que podemos vivenciar todas as nossas convicções, reafirmar nossos valores. O lar, assim, pode ser qualquer lugar, desde que ele seja um espelho de nós mesmos.
Pode ser até um veleiro, como é o caso da administradora de empresas Julia Acordi Lima. Durante uma regata no litoral paulista, ela conheceu Simon, um velejador suíço, e a paixão em comum pelo mar logo virou uma paixão em comum. Depois de meses de namoro, o visto dele expirou e o obrigou a deixar o país. Entre a escolha de se separarem ou viverem juntos, optaram pela segunda opção.
Julia pediu demissão, juntou suas coisas e foi morar em um veleiro de 37 pés. O primeiro endereço foi a Patagônia. Logo partiram para a Antártida e, depois, para o Chile. Lá conceberam o primeiro filho e cruzaram o oceano Pacífico. "O Timo nasceu no Brasil, mas voltamos com ele ao barco quando já estava com 8 meses", diz. Julia conta que, no começo, a mudança foi difícil. Mas ela logo se acostumou com a nova morada e hoje não se imagina vivendo num apartamento. "Eu nunca fui muito apegada às coisas e aos lugares, e ser assim ajudou na adaptação. Lar, para mim, é um cantinho onde você cuida e cria suas coisas: as refeições, o cotidiano e, principalmente, o amor".
Agora a família está na Austrália, esperando o nascimento de Lucas, o quarto integrante. Quando ele estiver com 2 meses, voltam a navegar. "A ideia é seguir velejando até as crianças completarem a idade de ir para a escola, então temos mais ou menos cinco anos dessa vida", diz ela, pronta para mudar para um catamarã de 44 pés - com direito a geladeira, freezer e, ufa, chuveiro. A nova "casa" está pronta e definida. Já o endereço continua dependendo do humor da família - e das condições do mar.
LIVROS
A Arquitetura da Felicidade, Alain de Botton, Rocco
A Casa, Jorge Marão Carnielo Miguel, Imesp
Nenhum comentário:
Postar um comentário