Mesmo tendo sido um soldado russo condecorado por sua bravura na segunda guerra, foi preso pela NKVD por fazer alusões críticas a Stalin em correspondência a um amigo. Foi condenado a oito anos num campo de trabalhos forçados, a serem seguidos por exílio interno em perpetuidade.
O convívio com presos políticos no Cazaquistão inspirou o livro Um Dia na Vida de Ivan Denisovich. Uma experiência dramática com um câncer linfático que quase o matou serviu de inspiração para o notável O Pavilhão dos Cancerosos. A passagem pelos campos de concentração e os trabalhos forçados do stalinismo inspiraram O Arquipélago Gulag, um pungente relato da maldade e da resistência humanas.
Surpreendido pelo galardão do Nobel, percebeu que ir a Estocolmo recebê-lo significaria uma oportunidade ímpar aos seus desafetos que pretendiam eliminá-lo. Na Rússia, sendo considerado pela comunidade internacional como a maior expressão cultural do país, ele se sentia como que protegido entre seus inimigos. No Exterior, sabe-se lá o que poderia acontecer. Naquela época, não só existiam comunistas como estes eram bem rancorosos.
A sua ausência na cerimônia oficial foi compensada pela publicação do discurso que nunca foi proferido. Nele, depois de depurada a sua amargura pela indiferença do mundo às atrocidades do seu país, o laureado enaltece a função do artista, responsável, por meio da perenização de sua arte, por incontáveis momentos de exultação que podem encantar os reles mortais ao longo dos séculos. A mais linda homenagem ao fascínio da literatura, da escultura, da música e da pintura.
Terminava conclamando as pessoas a abrirem seus corações à emoção gratuita que o artista oferece, sempre com a esperança de que alguém comungue do êxtase que, dia após dia, incendeia a vida de quem faz da arte a razão da sua vida.
Pena que não se consiga ensinar a ninguém a percepção desse encanto, mas ele está por aí, soltando chispas. E com um brilho maroto no olho. Um dia desses, terminada uma entrevista sobre saúde com Laura Medina, nos deparamos falando sobre a beleza arquitetônica do centro de Porto Alegre. E ela me descreveu sua experiência com um grupo de teatro, que depois do espetáculo, tarde da noite, costumava caminhar pela Rua da Praia, com os braços elevados e olhando para cima, numa mistura fascinante da riqueza arquitetônica da cidade velha e a leveza de um céu estrelado.
A descrição perfeita da capacidade do artista de se deslumbrar com uma beleza que não é percebida pelas pessoas que olham para o chão. E, claro, o tal brilho estava lá, naqueles olhos enormes.
(J.J.Camargo)
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