sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Quanto vale um artista...

                                       


Alexander Issaiévich Soljenítsyn, um autor cristão ortodoxo, foi um desses escritores que conquistaram o mundo por sua arte e reconhecido a ponto de ter merecido o Nobel de Literatura, em 1970. Ao contrário de Hemingway, que se aventurava para descrever suas proezas, Soljenítsyn narrou magistralmente as peripécias de uma vida que, em liberdade, não escolheria.

Mesmo tendo sido um soldado russo condecorado por sua bravura na segunda guerra, foi preso pela NKVD por fazer alusões críticas a Stalin em correspondência a um amigo. Foi condenado a oito anos num campo de trabalhos forçados, a serem seguidos por exílio interno em perpetuidade.

O convívio com presos políticos no Cazaquistão inspirou o livro Um Dia na Vida de Ivan Denisovich. Uma experiência dramática com um câncer linfático que quase o matou serviu de inspiração para o notável O Pavilhão dos Cancerosos. A passagem pelos campos de concentração e os trabalhos forçados do stalinismo inspiraram O Arquipélago Gulag, um pungente relato da maldade e da resistência humanas.

Surpreendido pelo galardão do Nobel, percebeu que ir a Estocolmo recebê-lo significaria uma oportunidade ímpar aos seus desafetos que pretendiam eliminá-lo. Na Rússia, sendo considerado pela comunidade internacional como a maior expressão cultural do país, ele se sentia como que protegido entre seus inimigos. No Exterior, sabe-se lá o que poderia acontecer. Naquela época, não só existiam comunistas como estes eram bem rancorosos.

A sua ausência na cerimônia oficial foi compensada pela publicação do discurso que nunca foi proferido. Nele, depois de depurada a sua amargura pela indiferença do mundo às atrocidades do seu país, o laureado enaltece a função do artista, responsável, por meio da perenização de sua arte, por incontáveis momentos de exultação que podem encantar os reles mortais ao longo dos séculos. A mais linda homenagem ao fascínio da literatura, da escultura, da música e da pintura.

Terminava conclamando as pessoas a abrirem seus corações à emoção gratuita que o artista oferece, sempre com a esperança de que alguém comungue do êxtase que, dia após dia, incendeia a vida de quem faz da arte a razão da sua vida.

Pena que não se consiga ensinar a ninguém a percepção desse encanto, mas ele está por aí, soltando chispas. E com um brilho maroto no olho. Um dia desses, terminada uma entrevista sobre saúde com Laura Medina, nos deparamos falando sobre a beleza arquitetônica do centro de Porto Alegre. E ela me descreveu sua experiência com um grupo de teatro, que depois do espetáculo, tarde da noite, costumava caminhar pela Rua da Praia, com os braços elevados e olhando para cima, numa mistura fascinante da riqueza arquitetônica da cidade velha e a leveza de um céu estrelado.

A descrição perfeita da capacidade do artista de se deslumbrar com uma beleza que não é percebida pelas pessoas que olham para o chão. E, claro, o tal brilho estava lá, naqueles olhos enormes.                       
                                (J.J.Camargo)

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