quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A Felicidade é um condomínio...

                                                                               

A praia é uma oficina de quimeras,uma segunda vida que foi protelada por falta de horário e oportunidade.
Ninguém é sua profissão quando entra num condomínio na orla gaúcha.
Empresário não é empresário,advogado não é advogado, dentista
não é dentista.A mudança se deve ao temperamento do que resultado da
aparência. Não é porque os moradores estão de bermudas, camisetas, roupas
de verão.
Ao passar pelo portão, eles se tornam o que sonhavam ser quando crianças.
Ou que não conseguiram ser quando adultos. Recuperam o tempo perdido.
Não sei se é efeito da maresia ou da liberdade das férias. Acontece alguma
mágica, são vítimas de alguma bomba de gás  felicitante.
Uma casa no litoral desperta vontades secretas, reprimidas,ambições escondidas.
 Tudo o que não teve chance de ser feito brotam as margens marítimas.
O livro adiado toma forma, as cores habitam as telas brancas.
Não é mais o sustento da família que manda, não é mais o emprego que manda,
não é mais a obrigação financeira  que manda. O que prevalece é a liberdade
vocacional, o desejo de aprender novas habilidades.
Aquele que nunca nadou decide mergulhar não prendendo o nariz, aquele
com curiosidade em jogar capoeira se arrisca no berimbau, aquele que recusava
subir em uma bicicleta rompe o medo do desequilíbrio.
Quem era casmurro fica alegre quem era silencioso fica loquaz, quem era preguiçoso fica esportista.
Reconciliações são possíveis, resgates de identidade são comuns à beira-mar.
 Pai que não tinha folga para brincar estará em cima de uma boia de jacaré, surpreendendo
suas crianças com ataques imaginários.
Mãe, sem brecha para a família,convidará sua filha para longas caminhadas ao entardecer.
Haverá transformações incríveis,mutações generosas.
Impregnadas de calma, distanciadas da pressão da rotina, as pessoas se ampliam,se modificam, se 
aperfeiçoam.
Correspondem às suas expectativas,não mais aos anseios dos outros.
Você pode enxergar cabelereiro montando seu jardim, podando plantas
e colecionando orquídeas. Você pode enxergar engenheiro envolvido em
marcenaria na garagem, aplainando aviões e carros de madeira.
 Você pode enxergar fonoaudióloga conferindo estrelas em um telescópio na varanda.
Você pode enxergar economista costurando bordas em toalhas de mesa.
Aquela profissão, capricho ou atividade que jamais ganhava atenção é finalmente realizada.
 Aquele amor ou amizade em segundo plano tem agora espaço para crescer.
A praia é uma casa de câmbio.
Troca-se tempo por tranquilidade.
Fabrício Carpinejar

Como eles souberam?



Lawrence Anthony, uma lenda viva na África do Sul, autor de 3 livros, entre eles o best-seller O Encantador de Elefantes, valentemente resgatou inúmeros animais selvagens e reabilitou elefantes por todo o planeta, após serem vitimados por atrocidades humanas, entre elas o corajoso resgate dos animais do Zoológico de Bagdá, durante a invasão dos Estados Unidos, em 2003.

No dia 7 de março de 2012, Lawrence Anthony faleceu, mas é sempre lembrado por sua esposa, dois filhos, dois netos e numerosos elefantes. Dois dias após seu falecimento, elefantes selvagens apareceram em sua casa, guiados por duas grandes matriarcas. Outras manadas selvagens apareceram em bandos, para dizer adeus a seu amado amigo.

31 elefantes haviam caminhado pacientemente, por mais de 12 milhas, para chegar à sua residência sul-africana. Como eles souberam?

Ao testemunhar este espetáculo, as pessoas obviamente ficaram abismadas, não só pela inteligência e 'timing' perfeito que os elefantes demonstraram, pressentindo o falecimento de Lawrence, mas também pela profunda emoção que os amados animais causaram, agindo de forma tão organizada, marchando por dois dias, numa fila solene, desde seu 'habitat' até a casa de Lawrence.
Sentindo que haviam perdido um amado amigo humano, moveram-se numa solene procissão fúnebre, para visitar a família enlutada na residência do falecido. Mas, como elefantes da reserva, pastando a milhas de distância, em partes diversas do parque, poderiam saber da morte de Anthony?
A esposa de Lawrence, Françoise, estava particularmente comovida. Havia mais de três anos que os elefantes não visitavam a sua casa! "Se alguma vez houve ocasião em que pudemos realmente sentir a maravilhosa intercomunicação entre todos os seres, foi quando pensamos sobre os elefantes de Thula Thula. O coração de um homem para de bater e os corações de centenas de elefantes se entristecem. O coração tão generoso e dedicado deste homem ofereceu a cura a esses elefantes, e agora eles vêm prestar carinhosa homenagem a seu amigo".
Os elefantes permaneceram por dois dias inteiros homenageando o amigo, sem comer absolutamente nada. Na manhã seguinte, partiram para a longa viajem de volta.  
    

Miriam Zelikowski

Quem nutre sentimentos de inveja em relação a qualquer pessoa ou se satisfaz com o sofrimento e a desgraça alheia é sinal de desequilíbrio energético e emocional, pois a vida é a soma do amor e do compartilhar aquele que emite sentimentos secos e vazios como a inveja e a alegria por um sofrimento de outrem é doente da alma, é infeliz pois desnaturou sua essência, é como se alimentar de lixo e beber ácido, nada de bom volta para esta pessoa.

Quem comete perjúrio, afeta a honra da alma de outra pessoa, a dignidade da alma é um alicerce do universo, é o mesmo que afetar o brilho do sol ou apagar uma estrela no céu, infeliz quem comete perjúrio e espalha ao vento falsas palavras, recebe da vida a tranca que impede de caminhar para frente, se alimenta das sobras dos outros e não enxerga a luz, pois as sombras acompanham quem não se arrepende de uma ato de perjúrio.

A inveja, o perjúrio, são sinais de ignorância espiritual , isto é falta de esclarescimento como funciona as leis da vida, ignorância que estimula o preconceito, que estimula a arrogância, que alimenta o orgulho e que torna a pessoa ambiciosa e egoista, os outros são apenas pacotes para algum fim, cuidado, nada na vida é escondido tudo aparece na hora da verdade, portanto acorde e mude sua postura, o seu comportamento não é de um santo ou fanático e sim de alguém que tem a cabeça no lugar, a mente aberta com responsabilidades e o coração equilibrado para não ferir e não quebrar os sentimentos de outrem, mas sim ter a capacidade de ser altamente espiritual para rever seus comportamentos no dia a dia.

Quando alguém o ofender pergunte a si mesmo, o que vou aprender com esta ofensa, me valorizar, considerar o outro uma pessoa de valor, rever meus atos, aprender o que não devo fazer, analisar a fundo até ao ponto de se defender dependendo da situação, cada caso é único e merece atenção, assim mede sua conduta e o mundo será seu espelho.

Procure no outro algo de bom, se gostar admire e desenvolva na sua vida algo de valor, se não gostar aprenda a não fazer semelhante, mas não se ofenda, tenha paciência, tudo se aprende, mas quem escolhe as sombras sofre consequências, a vida merece sempre uma chance, cuidado com a boca e julgamentos não sinta inveja e não cometa perjúrio, a doença da alma quando se instala é como uma fofoca acende um pavil e estoura no fim como uma bomba, muitos feridos e acaba com uma frase...

Se eu soubesse não faria novamente............."

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Rubem Alves...



Assim são as imagens poéticas:

Elas têm o poder de ir lá no fundo da alma
Onde moram os esquecimentos
E quando um desses esquecimentos acorda
A gente sente um estremeção no corpo

Essa é a missão da poesia:
Recuperar os pedaços perdidos de nós




Homenagem ao meu pai...


Rubem Alves...





A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar – quem faz mergulho sabe – a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia e que de tão linda nos faz chorar.

Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto."

Martha Medeiros...



                                    "A vida é um presente, e desfrutá-la com leveza,

                                   inteligência e tolerância é a melhor forma de agradecer


                                                             – aliás, a única."



                                                     

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O Prazo do luto...

Por amor aos
que não morreram
é preciso
deixar o morto
tornar-se lembrança

diana29DIANA LICHTENSTEIN CORSO *
dianamcorso@gmail.com
Abandonamos quase todos os rituais. Hoje eles são uma caricatura do que foram em um passado recente. Se vivêssemos décadas atrás, agora, no aniversário de um ano das mortes da boate Kiss, estaríamos levantando o luto, o período previsto para sofrer estaria cumprido. Voltaríamos a usar roupas normais e estaríamos liberados para as alegrias da vida. Podemos objetar, e com toda razão, que um prazo assim é arbitrário, um luto dura enquanto dura, é um tempo subjetivo, pessoal. Cada um sabe quanto precisa para juntar seus cacos e seguir em frente, qual é a hora de dar-se conta de que há outros que contam com sua presença. Talvez fosse mais fácil fazer um luto quando ele era tabelado, cercado de prescrições que só nos cabia seguir. Mas os tempos de hoje são de uma maior solidão para esse processo, não existem parâmetros, cada um tem que inventar sua maneira de lidar com a dor.
Enquanto vivemos possuídos pelos efeitos da perda, nossos mortos sobrevivem nos sentidos: são vistos e escutados. Aliás, não é à toa que na ficção há tantas casas assombradas: é na intimidade que as lembranças ganham corpo, as casas são os cemitérios preferidos dos nossos sentimentos. Juramos ter visto uma sombra, que se favorece dos jogos de luz, os ouvidos detectam os passos, a chave na porta, o quarto vazio guarda ecos de ruídos ausentes. A imagem preservada pelo amor substitui o corpo que fomos obrigados a nunca mais ver.
Com o tempo os fantasmas se transformam em lembranças. Estas têm uma característica inquietante, que é sua aparente arbitrariedade, pois nunca temos certeza de que elas são verídicas. Sua natureza é contrária à realidade, só existem porque algo deixou de existir. Lutamos contra essa transformação com todas as forças, agarramo-nos aos fantasmas, única presença possível de alguém que se tornou ausência. O maior apoio dessas aparições são seus objetos, seus cômodos se tornam mausoléu onde celebrar a perda irreparável. O que ontem era deixar de usar as vestes negras, sinal de um luto oficialmente encerrado, hoje passa a ser o momento de desfazer-se de objetos, roupas, ninharias, de reconhecer que já não há sequer um fantasma que reclama um lugar para morar.
Nesse processo de abrir mão dos restos materiais daqueles que perdemos, há algo que reencontramos: voltamos a notar a presença daqueles que restam vivos ao nosso redor. São pais, irmãos, filhos, netos, sobrinhos, maridos, esposas e amigos que precisam sentir-se importantes, fazer diferença. Entregues à dor demonstramos que só nos importava aquele que partiu. Infelizmente, no sofrimento somos egoístas, negando qualquer valor aos outros vínculos que não foram perdidos. Por amor aos que não morreram é preciso deixar o morto tornar-se lembrança, tirar da alma os trajes negros, resignar-se a viver.
Um certo exagero da mídia em falar do assunto é também uma resposta coletiva para ajudar em problemas individuais. Como já não temos regras do que vestir, como portar-se, como sofrer, o compartilhamento social ajuda a cada um dos familiares e amigos. Acaba sendo uma forma nova para um problema velho, uma ajuda para seguir em frente depois de enterrar pessoas amadas.

sábado, 25 de janeiro de 2014

Todo filho é pai da morte de seu pai...

                                                                        


"Feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte, e triste do filho que aparece somente no enterro e não se despede um pouco por dia."

Há uma quebra na história familiar onde as idades se acumulam e se sobrepõem e a ordem natural não tem sentido: é quando o filho se torna pai de seu pai. É quando o pai envelhece e começa a trotear como se estivesse dentro de uma névoa. Lento, devagar, impreciso.
É quando aquele pai que segurava com força nossa mão já não tem como se levantar sozinho.
É quando aquele pai, outrora firme e instransponível, enfraquece de vez e demora o dobro da respiração para sair de seu lugar.
É quando aquele pai, que antigamente mandava e ordenava, hoje só suspira, só geme, só procura onde é a porta e onde é a janela - tudo é corredor, tudo é longe.
É quando aquele pai, antes disposto e trabalhador, fracassa ao tirar sua própria roupa e não lembrará de seus remédios.
E nós, como filhos, não faremos outra coisa senão trocar de papel e aceitar que somos responsáveis por aquela vida. Aquela vida que nos gerou depende de nossa vida para morrer em paz.
Todo filho é pai da morte de seu pai. Ou, quem sabe, a velhice do pai e da mãe seja curiosamente nossa última gravidez. Nosso último ensinamento. Fase para devolver os cuidados que nos foram confiados ao longo de décadas, de retribuir o amor com a amizade da escolta. E assim como mudamos a casa para atender nossos bebês, tapando tomadas e colocando cercadinhos, vamos alterar a rotina dos móveis para criar os nossos pais. Uma das primeiras transformações acontece no banheiro. Seremos pais de nossos pais na hora de pôr uma barra no box do chuveiro. A barra é emblemática. A barra é simbólica. A barra é inaugurar um cotovelo das águas.

Porque o chuveiro, simples e refrescante, agora é um temporal para os pés idosos de nossos protetores. Não podemos abandoná-los em nenhum momento, inventaremos nossos braços nas paredes. A casa de quem cuida dos pais tem braços dos filhos pelas paredes. Nossos braços estarão espalhados, sob a forma de corrimões. Pois envelhecer é andar de mãos dadas com os objetos, envelhecer é subir escada mesmo sem degraus. Seremos estranhos em nossa residência. Observaremos cada detalhe com pavor e desconhecimento, com dúvida e preocupação. Seremos arquitetos, decoradores, engenheiros frustrados. Como não previmos que os pais adoecem e precisariam da gente? Nos arrependeremos dos sofás, das estátuas e do acesso caracol, nos arrependeremos de cada obstáculo e tapete.
E feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte, e triste do filho que aparece
somente no enterro e não se despede um pouco por dia.
Meu amigo José Klein acompanhou o pai até seus derradeiros minutos. No hospital, a enfermeira fazia a manobra da cama para a maca, buscando repor os lençóis, quando Zé gritou de sua cadeira:
— Deixa que eu ajudo.
Reuniu suas forças e pegou pela primeira vez seu pai no colo.
Colocou o rosto de seu pai contra seu peito.
Ajeitou em seus ombros o pai consumido pelo câncer: pequeno, enrugado, frágil, tremendo.
Ficou segurando um bom tempo, um tempo equivalente à sua infância, um tempo equivalente à sua adolescência, um bom tempo, um tempo interminável.
Embalou o pai de um lado para o outro.
Aninhou o pai.
Acalmou o pai.
E apenas dizia, sussurrado:
— Estou aqui, estou aqui, pai!
O que um pai quer apenas ouvir no fim de sua vida é que seu filho está ali.


Fabrício Carpinejar

Virgínia...



Nem o tempo, esse monstro devorador de instantes, te afastou de nós.
Hoje moras num cantinho doce, chamado memória, em meio a todas as alegrias e tristezas que embrulhamos em celofane azul.
Neste recanto onde guardamos teu riso, tuas palavras de estímulo, teus traços, tuas cores, tua voz cantarolando sempre, tuas mãos pequenas a tecer sonhos e a pintar o mundo, buscando fixar a beleza do presente.
Ainda ecoam fortes tuas palavras - um leque de ensinamentos sobre a luz interior, a fé, a amizade e a razão de viver - porque nos ensinastes a repensar a vida, a dar rumo a nossa caminhada.
E com isso nos mostraste a essência de viver, a coragem de crer - enfrentando essa viagem - sem temor.
Hoje estás aqui - na arte de cada uma - na saudade e na nossa certeza que vives e, em tardes de chuva, molhas teus cabelos nos reflexos de arco-íris em meio às flores dos jardins do Senhor.


Sandra Mari Kisch e colegas do Atelier Heleny Montovani.

Vamos brincar de gangorra, meu amor???



Quando um está mal, o outro deve estar bem.

Quando um está irritado, o outro deve ser paciente.

Quando um está cansado, o outro deve encontrar disposição.

Quando um adoece, o outro deve mostrar saúde.

Quando um se envaidece de razão, o outro deve ser humilde no cuidado.

No casal, as fraquezas não podem convergir. Não podem ocorrer simultaneamente.

Se vê que sua parceira explodiu, escolha um momento distinto para desabafar e reclamar. Recue de sua catarse. Deixe para o dia seguinte. Ela nem irá ouvi-lo no acesso de cólera.

Quando os dois decidem ser a parte mais fraca do relacionamento, os laços sucumbem.

Não podem ocupar o mesmo papel, o mesmo script. Só há vaga para um protagonista em cada crise. Alguém terá que ser coadjuvante. Dois vilões no mesmo filme geram divórcio.

A alternância é o segredo da convivência. Mudar de lugar sempre, analisar quem mais precisa e ceder se for necessário.

O que traz estabilidade é a gangorra: quando a mulher cai, o homem estende o braço, quando o homem vacila, a mulher acode.

A separação acontece quando duas chagas conversam procurando mostrar qual é a mais funda. É quando duas feridas travam uma guerra buscando sangrar mais, e nenhum dos lados estanca a própria carência.

O sofrimento acentua o orgulho, a dor agrava a cegueira, a ansiedade de resolver logo a discordância apenas abre a porta para o fim.

É uma disputa do desespero, e o casal se afoga nas mágoas. Não haverá sequer um salva-vidas acordado.

Ainda que sobre paixão, ainda que reste confiança, nada segura o momento em que os dois coincidem em enlouquecer. A loucura exige troca de plantão.

O casal é capaz de destruir uma história linda e promissora por uma noite de fúria.

A esposa e o marido se transformam em crianças, e crianças abandonadas em casa berrando e com medo. Tentarão gritar alto para chamar os vizinhos e denunciar os maus-tratos. E vão se indispor e se ofender tanto, e vão se provocar e se agredir tanto, que depois é difícil cicatrizar.

Um tem que ser adulto na hora do pânico. Um tem que ser responsável. Um tem que ser forte o suficiente para preservar as fraquezas do amor.

Fabrício Carpinejar

Nossos Medos...

Na antiguidade, a doença era interpretada de muitas maneiras e se podia adoecer por vários
caminhos: castigo por uma transgressão moral, feitiço encomendado por algum inimigo, invasão corporal por algum objeto misterioso e mágico, possessão por um espírito maligno, ou perda da alma por ação do demônio. 
A ampla variedade de trilhas da doença explicava a diversidade de terapeutas e justificava a participação do mago, do xamã, do curandeiro e do pajé. Aproveitando a brecha do desespero de quem adoece, como era de se esperar, se incorporou o charlatão, que terreno mais propício não poderia haver.
O espetacular avanço do conhecimento médico identificou os inimigos pontuais, as bactérias, os vírus, os fungos, os protozoários, entendeu o dano que eles poderiam causar às células, e descobriu como enfrentá-los e destruí-los com os antibióticos. Com a biologia celular, avançou-se no entendimento do mecanismo de crescimento e disseminação dos tumores. Quando se aprendeu que o metabolismo das células tumorais podia ser alterado por drogas, muitos cânceres passaram a ser curados com quimioterapia.
A conquista da medicina molecular e a descoberta do genoma e seus desdobramentos permitirão, no futuro próximo, a tão sonhada longevidade qualificada. Com todos estes mistérios desvendados, ainda restará uma perplexidade: mas por que adoecemos? Antes que alguém retome uma teoria religiosa com a busca de culpas e penas, minha invocação particular: e as crianças precisavam adoecer?
Fiquei um tempão explicando ao Adriano,
um garotinho de 10 anos, que teríamos um caminho pela frente para derrotarmos aquele tumor que lhe provocava dor no peito. Contei que o tratamento teria duas etapas: a quimioterapia, para que o tumor diminuísse, e depois a cirurgia para eliminá-lo.
Havia tanto medo naquele olhar que quase não resisti a pegá-lo no colo, mas isso não combinaria com a pose de homenzinho, de braços cruzados, sacudindo a cabeça depois de cada informação nova. Terminada a sessão de notícias, abri o questionário:
_ Alguma coisa que queiras perguntar, meu garoto?
_ Eu vou morrer?
_ Claro que não!
_ Mas o meu tio disse que aquele cantor, o Leandro, tinha esse tipo de tumor, que você tratou dele, e ele morreu! 
(Socorro! Claro que não comentei que ter um tumor já era desgraça suficiente e que ele não merecia um tio desses!). Expliquei que a situação era diferente, que os adultos respondem mal à quimioterapia nesse tipo de tumor, e que nós iríamos conseguir. O lábio tremia quando ele confessou:
_ Tô com uma vontade de chorar!
_ E por que não choras?
_ Meu pai disse que chorar é coisa de mulher.
_ Mas, que bobagem! Eu choro quase toda a semana.
_ E nunca te chamaram de mulherzinha?
_ Não. Ninguém se arriscaria!
E então, nos abraçamos. Mais do que motivação, agora ele tinha companhia.
JJCamargo

Para sempre. Nunca mais...

                                                           

Estou nos Estados Unidos. Uma civilização calórica, definitivamente. Todo aquele bacon no café da manhã. Mas não podia ser de outra forma. Aqui na cidade em que ora me repoltreio, Boston, aqui faz um frio… Acho graça quando os gaúchos dizem que no Rio Grande do Sul faz frio. No Rio Grande do Sul não faz frio; sente-se frio. No Norte-Nordeste americano, sim, faz muito frio, mas você só sente frio se cometer temeridades como a que cometi outra noite. Tinha de ir a um lugar a cinco minutos de caminhada do hotel em que me hospedo. Antes de sair, olhei para um par de ceroulas que dormem na minha mala. Não sou homem de usar ceroulas, ah, não, mas, lá fora, a cidade estava branca de neve. Capitulei, que às vezes o mais sábio é capitular. Vesti as ceroulas e, sobre elas, calças jeans. Mais uma camiseta dessas de esquiador, bem quente, sobreposta por um ainda mais quente blusão de esquiador e, por que não?, uma jaqueta quentíssima de esquiador. Uma meia. Duas meias. Botas que comprei na Argentina, feitas de couro de orgulhoso boi portenho. Luvas. E um gorro, obviamente de esquiador.
Mirei-me no espelho. Parecia um mendigo, mas me sentia protegido. Ilusão. No primeiro dos cinco minutos a pé, estava prestes a congelar. Dei uma corridinha, cheguei aonde tinha de chegar em uns três minutos de dor. Duas horas depois, noite já fechada, empreendi o caminho de volta. Cristo! Aqueles cinco minutos eram cinco horas. Meu nariz começou a petrificar. Li em algum lugar que, sob temperaturas excessivamente baixas, o nariz pode congelar e quebrar como um picolé espacial. Não queria que meu nariz quebrasse. Isso não, oh, Deus! O ar gelado entrava-me pelos pulmões e esfriava-me os ossos, a alma e o coração.
Talvez fosse bom eu, finalmente, possuir um coração de gelo… Quando encontrei um bar, refugiei-me no ar aquecido, sentei-me ao balcão e pedi um Bourbon. Caubói, é claro. Olhei para os lados e vi os americanos comendo frituras, ingerindo calorias, engordando debaixo de suas peles tatuadas, mas quentes. Senti saudade do calor porto-alegrense, das mulheres de saias diáfanas, do chope cremoso. Senti saudade também da saborosa comida brasileira e de ouvir o som poético da última flor do Lácio, inculta e bela. Saudade, ora, ora, e estou há tão pouco tempo aqui.
Se morasse nessas distâncias, quanta saudade não sentiria? Por coincidência, quando vagava nesses pensamentos, minha amiga Mariana Bertolucci mandou-me uma mensagem do outro lado do Atlântico: “Que saudade da nossa antiga turma do Liliput”. Lembrei-me então que, naquela época, em algum momento em que, por algum motivo, ela nos negligenciou, eu lhe disse: “Mais tarde, vamos nos separar para sempre, e tu vais sentir saudades”.
Tantos anos depois, e minha profecia daquela noite se cumpriu. Nos separamos para sempre, e ela sente saudade. Para sempre. Nunca mais. As pessoas não acreditam, mas a vida é cheia de para sempre e de nunca mais. Se morasse aqui, quantos para sempre e nunca mais acrescentaria na minha vida? Quantos estou acrescentando nesse instante, mesmo sem morar aqui? Pessoas que vou perder e que vão me perder para sempre. Sentimentos que nunca mais voltarão. Pensar nisso me deu certa melancolia. Olhei a neve lá fora. Estremeci. Pedi outro Bourbon. Caubói, é claro.

David Coimbra

sábado, 11 de janeiro de 2014

Receita de Casa...



Uma casa deve ter varandas para sonhar,
cantos confortáveis para chorar,
salas bonitas para os amigos bem receber,
cantos para os segredos desabafar,
para as confidências, e para o bem amar.

Uma casa precisa um ninho ser,
pois o amor precisa de espaço pra crescer,
de alguns empurrões pra saltar e voar,
muita liberdade para querer ficar,
alguns espaços para conceber e procriar,
jardins para a alegria plantar.

Uma casa precisa de muito amor,
cuidados para não ter medo de alguém partir,
um pouco de ciúmes pra proteger,
amizade para o companheirismo perdurar,
o dom de sempre surpreender,
e enfeitiçar sempre para durar.

Uma casa precisa ser um bom e doce lar,
com muita cumplicidade a esbanjar,
união e somatório pra ter sempre o que dar,
família grande pra ter a vida sempre a se doar,
um grande amor - lógico - pra nos realizar."

Intertexto de “Receita de Casa” de Lia Luft
EcoCasa Portuguesa

A tribute to Nelson Mandela...


sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

São Tomás de Aquino...



“Dê-me, Senhor, agudeza para entender,
 capacidade para reter,
 método e faculdade para aprender, 
sutileza para interpretar,
 graça e abundância para falar.
 Dê-me, Senhor, acerto ao começar,
 direção ao progredir e perfeição ao concluir”

São Tomás de Aquino

Vida...

Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silencio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar.

 Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.


Quanto vale um artista...

                                       


Alexander Issaiévich Soljenítsyn, um autor cristão ortodoxo, foi um desses escritores que conquistaram o mundo por sua arte e reconhecido a ponto de ter merecido o Nobel de Literatura, em 1970. Ao contrário de Hemingway, que se aventurava para descrever suas proezas, Soljenítsyn narrou magistralmente as peripécias de uma vida que, em liberdade, não escolheria.

Mesmo tendo sido um soldado russo condecorado por sua bravura na segunda guerra, foi preso pela NKVD por fazer alusões críticas a Stalin em correspondência a um amigo. Foi condenado a oito anos num campo de trabalhos forçados, a serem seguidos por exílio interno em perpetuidade.

O convívio com presos políticos no Cazaquistão inspirou o livro Um Dia na Vida de Ivan Denisovich. Uma experiência dramática com um câncer linfático que quase o matou serviu de inspiração para o notável O Pavilhão dos Cancerosos. A passagem pelos campos de concentração e os trabalhos forçados do stalinismo inspiraram O Arquipélago Gulag, um pungente relato da maldade e da resistência humanas.

Surpreendido pelo galardão do Nobel, percebeu que ir a Estocolmo recebê-lo significaria uma oportunidade ímpar aos seus desafetos que pretendiam eliminá-lo. Na Rússia, sendo considerado pela comunidade internacional como a maior expressão cultural do país, ele se sentia como que protegido entre seus inimigos. No Exterior, sabe-se lá o que poderia acontecer. Naquela época, não só existiam comunistas como estes eram bem rancorosos.

A sua ausência na cerimônia oficial foi compensada pela publicação do discurso que nunca foi proferido. Nele, depois de depurada a sua amargura pela indiferença do mundo às atrocidades do seu país, o laureado enaltece a função do artista, responsável, por meio da perenização de sua arte, por incontáveis momentos de exultação que podem encantar os reles mortais ao longo dos séculos. A mais linda homenagem ao fascínio da literatura, da escultura, da música e da pintura.

Terminava conclamando as pessoas a abrirem seus corações à emoção gratuita que o artista oferece, sempre com a esperança de que alguém comungue do êxtase que, dia após dia, incendeia a vida de quem faz da arte a razão da sua vida.

Pena que não se consiga ensinar a ninguém a percepção desse encanto, mas ele está por aí, soltando chispas. E com um brilho maroto no olho. Um dia desses, terminada uma entrevista sobre saúde com Laura Medina, nos deparamos falando sobre a beleza arquitetônica do centro de Porto Alegre. E ela me descreveu sua experiência com um grupo de teatro, que depois do espetáculo, tarde da noite, costumava caminhar pela Rua da Praia, com os braços elevados e olhando para cima, numa mistura fascinante da riqueza arquitetônica da cidade velha e a leveza de um céu estrelado.

A descrição perfeita da capacidade do artista de se deslumbrar com uma beleza que não é percebida pelas pessoas que olham para o chão. E, claro, o tal brilho estava lá, naqueles olhos enormes.                       
                                (J.J.Camargo)

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O Gato e a Espiritualidade...

                                                                                   


Quem não se relaciona bem com o próprio inconsciente não topa o gato. Ele aparece, então, como ameaça, porque representa essa relação precária do homem com o (próprio) mistério.
 O gato não se relaciona com a aparência do homem. Ele vê além, por dentro e pelo avesso. Relaciona-se com a essência.
 Se o gesto de carinho é medroso ou substitui inaceitáveis (mas existentes) impulsos secretos de agressão, o gato sabe. E se defende do afago.
 A relação dele é com o que está oculto, guardado e nem nós queremos, sabemos ou podemos ver. Por isso, quando surge nele um ato de entrega, de subida no colo ou manifestação de afeto, é algo muito verdadeiro, que não pode ser desdenhado. É um gesto de confiança que honra quem o recebe, pois significa um julgamento.
 O homem não sabe ver o gato, mas o gato sabe ver o homem. Se há desarmonia real ou latente, o gato sente. Se há solidão, ele sabe e atenua como pode, ele que enfrenta a própria solidão de maneira muito mais valente que nós. Nada diz, não reclama. Afasta-se. Quem não o sabe "ler" pensa que "ele" não está ali. Presente ou ausente, ele ensina e manifesta algo. Perto ou longe, olhando ou fingindo não ver, ele está comunicando códigos que nem sempre (ou quase nunca) sabemos traduzir.
 O gato vê mais e vê dentro e além de nós. Relaciona-se com fluídos, auras, fantasmas amigos e opressores.
 O gato é médium, bruxo, alquimista e parapsicólogo. É uma chance de meditação permanente a nosso lado, a ensinar paciência, atenção, silêncio e mistério.
 O gato é um monge silencioso, meditativo e sábio monge, a nos devolver as perguntas medrosas esperando que encontremos o caminho na sua busca, em vez de o querer preparado, já conhecido e trilhado.
 O gato sempre responde com uma nova questão, remetendo-nos à pesquisa permanente do real, à busca incessante, à certeza de que cada segundo contém a possibilidade de criatividade e de novas inter-relações, infinitas, entre as coisas.
 O gato é uma lição diária de afeto verdadeiro e fiel. Suas manifestações são íntimas e profundas. Exigem recolhimento, entrega, atenção. Desatentos não agradam os gatos. Bulhosos os irritam. Tudo o que precise de promoção ou explicação quer afirmação. Vive do verdadeiro e não se ilude com aparências.
 Ninguém em toda natureza aprendeu a bastar-se (até na higiene) a si mesmo como o gato!
 Lição de sono e de musculação, o gato nos ensina todas as posições de respiração ioga.
 Ensina a dormir com entrega total e diluição recuperante no Cosmos.
 Ensina a espreguiçar-se com a massagem mais completa em todos os músculos, preparando-os para a ação imediata.
Se os preparadores físicos aprendessem o aquecimento do gato, os jogadores reservas não levariam tanto tempo (quase 15 minutos) se aquecendo para entrar em campo.
 O gato sai do sono para o máximo de ação, tensão e elasticidade num segundo. Conhece o desempenho preciso e milimétrico de cada parte do seu corpo, a qual ama e preserva como a um templo.
 Lição de saúde sexual e sensualidade. Lição de envolvimento amoroso com dedicação integral de vários dias. Lição de organização familiar e de definição de espaço próprio e território pessoal. Lição de anatomia, equilíbrio, desempenho muscular. Lição de salto. Lição de silêncio. Lição de descanso. Lição de introversão. Lição de contato com o mistério, com o escuro, com a sombra. Lição de religiosidade sem ícones. Lição de alimentação e requinte. Lição de bom gosto e senso de oportunidade. Lição de vida, enfim, a mais completa, diária, silenciosa, educada, sem cobranças, sem veemências, sem exigências.
 O gato é uma chance de interiorização e sabedoria, posta pelo mistério à disposição do homem.
" O gato é um animal que tem muito quartzo na glândula pineal, é portanto um transmutador de energia e um animal útil para cura, pois capta a energia ruim do ambiente e transforma em energia boa, -- normalmente onde o gato deita com frequência, significa que não tem boa energia-- caso o animal comece a deitar em alguma parte de nosso corpo de forma insistente, é sinal de que aquele órgão ou membro está doente ou prestes a adoecer, pois o bicho já percebeu a energia ruim no referido órgão e então ele escolhe deitar nesta parte do corpo para limpar a energia ruim que tem ali.
 Observe que do mesmo jeito que o gato deita em determinado lugar, ele sai de repente, poi ele sente que já limpou a energia do local e não precisa mais dele.
 O amor do gato pelo dono é de desapego, pois enquanto precisa ele está por perto, quando não, ele se a afasta.
 No Egito dos faraós, o gato era adorado na figura da deusa Bastet, representada comumente com corpo de mulher e cabeça de gata. Esta bela deusa era o símbolo da luz, do calor e da energia. Era também o símbolo da lua, e acreditava-se que tinha o poder de fertilizar a terra e os homens, curar doenças e conduzir as almas dos mortos. Nesta época, os gatos eram considerados guardiões do outro mundo, e eram comuns em muitos amuletos.
 "O gato imortal existe, em algum mundo intermediário entre a vida e a morte, observando e esperando, passivo até o momento em que o espírito humano se torna livre.
 Então, e somente então, ele irá liderar a alma até seu repouso final." 



Fonte: The Mythology Of Cats, Gerald & Loretta Hausman