Se recebe a dádiva de te
encontrar mais uma vez, se pudesse desfrutar de tua companhia por mais um dia
inteiro, faria tantas coisas das quais
tenho saudades e outras que não pude fazer. Nos preparativos para nosso encontro
levaria um presente: uma bota, uma
camisa xadrez, ou um boné a teu gosto. Teria que levar uma roupa usada também,
um confortável e surrado casaco ou uma camisa polo de um dos meus filhos ou de
meu marido, e te mentiria que eles não a
queriam mais. Claro que teria que levar algum doce caseiro: chimia de frambroesa
ou de uva. Levaria melado, comprado na feira, e frutas frescas: butiá, pera e
araçá. Telefonaria te avisando sobre a minha visita, e juro, desta vez tu terias
que cumprir a famosa ameaça de soltar foguetes quando eu
chegasse.
Quando dobrasse a esquina eu te avistaria: com uma vassoura varrendo a calçada ou na
sacada, rosto voltado para o lado em que o carro apontaria. Receberia e te daria
um grande abraço. O maior e o mais carinhoso de todos. Talvez te desse um beijo
no rosto (foram tão poucos) e pegaria na tua mão grande e rude, essas sim eu beijaria, como se fosse
de um ídolo, para expressar tudo aquilo que não pude te
dizer.
Então entraríamos em casa e te
apresentaria teus bisnetos. Sei que ficarias feliz especialmente com a escolha do nome da Virginia, com a
esperteza e simpatia do Renan e com a
beleza robusta do Gonçalo. Contaria as minhas novidades e ouviria as tuas. Iria
ao teu apartamento e faria a tradicional faxina, juro que não reclamaria de nada
e deixaria tudo a teu gosto, sem colocar nada fora. Depois faríamos uma grande
“programação” juntos.
Visitaríamos a chácara, eu
dirigindo (o que nunca fiz na tua companhia), enquanto ouviria teus palpites sobre minha “pilotagem” e as histórias do teu
tempo de motorista. Na chácara não brigaria contigo por subir nas árvores, não
te apressaria, e ajudaria a colher quantas frutas quisesses. Claro que na volta
passaríamos no cemitério, “visitar a mãe”. Talvez esse passeio fosse feito a pé,
então cortaríamos caminho pela “Vergueiro”, atalhando por terrenos baldios e tu
aproveitarias para colher ervas e folhagens com as quais me presentearia.
Ao meio dia eu cozinharia para
ti: polenta, mandioca, feijão. Talvez uma passarinhada ou uma carne com “uma
graxinha”. Antes do almoço teus netos te
preparariam uma caipirinha bem doce.
Então a sobremesa seria uma torta
de sorvete, que as “gurias” comprariam, só para te ver saboreá-la como uma
criança feliz. Então, no meio da tarde, eu fingiria que não estava bem do
“estômago”, só para que tu tivesses que procurar uma “carqueja” para um chá.
Esperaria tu perguntares
novamente qual “a programação” e sairíamos passear. Desta vez levando a Luciana.
Nosso passeio seria no “São João”, talvez até no “Campo do Meio” ou no “Mato
Castelhano”. Na volta, passaríamos na tia Lourdes, na tia Alzira, na tia Maria e
no tio Mário. Quando chegássemos, conversaríamos um pouco com o tio Antônio, na
frente de casa.
Ao entardecer ouviríamos
músicas de todos os estilos. Dançaríamos valsa com “Saudades de Matão”,
cantaríamos com Luiz Gonzaga e Gonzaguinha a tua música preferida, “Vida de
Viajante”. Pularíamos carnaval com “A Jardineira” e “ As águas vão rolar”.
Lembraríamos tantas coisas, falaríamos de política, dos parentes, ouviria tuas
queixas e te prometeria pensar com mais seriedade a possibilidade de voltar para
Passo Fundo.
Então, quando a hora de
voltares se aproximasse, eu me ajoelharia a teus pés e te pediria perdão pelas
decepções que te causei. E te diria o quanto te amei e quanto te amo. Falaria
como fostes bom pai e avô. Como marcou nossas vidas e sobre a saudade que temos
de ti. E no momento da tua partida
final, eu e minhas irmãs nos reuniríamos a tua volta e assistiríamos novamente
teu último olhar e teu último suspiro. Então, contigo, morreríamos um pouco
também.
(Bernadete Schleder Santos)