segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Rubem Alves...



     Mas havia uma coisa que ela não podia entender:
 era uma tristeza suave, nostalgia.
Não lhe bastava o mar infinito. Havia os Vazios, Desejos, Ausência imensa...
 Saudade de algo que lhe faltava.
 E ela sonhava com coisas longínquas, e as amava:
 florestas que nunca vira, e pensava que seria bom se, um dia, o mar e a selva se encontrassem e o azul e o verde se misturassem.”

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

José Saramago...


A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam.
 E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa.
 Quando o visitante sentou na areia da praia e disse:
“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim.
O fim de uma viagem é apenas o começo de outra.
 É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava.
 É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles.
 É preciso recomeçar a viagem. Sempre.

Feliz Natal...


sábado, 14 de dezembro de 2013

Filho predileto...




Certa vez perguntaram a uma mãe qual era seu filho preferido,
aquele que ela mais amava.
E ela, deixando entrever um sorriso, respondeu:
"Nada é mais volúvel que um coração de mãe.
E, como mãe, lhe respondo: o filho predileto
aquele a quem me dedico de corpo e alma...
É o meu filho doente, até que sare.
O que partiu, até que volte.
O que está cansado, até que descanse.
O que está com fome, até que se alimente.
O que está com sede, até que beba.
O que estuda, até que aprenda.
O que está com frio, até que se agasalhe.
O que não trabalha, até que se empregue.
O que namora, até que se case.
O que casa, até que conviva.
O que é pai, até que os crie.
O que prometeu, até que se cumpra.
O que deve, até que pague.
O que chora, até que cale.

E já com o semblante bem distante daquele sorriso, completou:
O que já me deixou...
...até que o reencontre...


(Erma Bombeck)

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Viajar...



Viajar é uma das melhores sensações da vida.
Uma viagem não se esgota no retorno.
Continua em nossa lembrança em forma de imagens, sons, cheiros, texturas.
Uma viagem pode não ser a vida, mas é uma bela metáfora dela, pois nos faz defrontar uma realidade maior e nos abre a alma para o entendimento

(Eugênio Mussak)

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Meu Homem .... Carta a Nelson Mandela




Meu homem
Dormi com saudades suas
E sonhei coma liberdade
Caminhando livremente
Como gente
Sob o sol de Joannesburgo
Meu homem passeando pelo parque
Sem notar que existem brancos
E sem ver que haviam negros
Pelos guetos
São irmãos brancos e pretos
Nos guetos, são irmãos brancos e pretos
Meu homem
No meu sonho nós dormimos e
Abraçados nos amamos
Doces beijos, ternos mimos
Fui sozinha pra Namibia
E de lá fui pra Luanda
Com os artistas do "Amandia"
Pra cantar rezas num komba
E de lá fui pra kizomba
Lá nas terras de Zumbi
Lá nas terras de Zumbi dos Palmares
Lá nas terras do Zumbi


Ai../..Aí vi brancos e pretos
Me lembrei do "Apartheid"
E no meio da festança
Sem chorar me entristeci
Ai meu homem
Que vontade de chorar
Será quando que meus sonhos, meu homem
Serão só doces sonhar
Meu homem
Meu homem

                                           Composição de Winnye Mandela e Martinho da Vila
                                         

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Rubem Alves...

                                                                           


Olhe, há tristezas de dois tipos. Primeiro, são as tristezas diurnas, quando o mundo está iluminado pelo sol. Tristezas para as quais há razões. Fico triste porque o meu cãozinho morreu, porque meu filho está doente, porque crianças esfarrapadas e magras me pedem uma moedinha no semáforo, porque o amor se desfez. Para essas tristezas há razões. Quem não sente essas tristezas está doente e precisaria de terapia para aprender a ficar triste. Tristeza é parte da vida. Ela é reação natural da alma diante da perda de algo que se ama. O mundo está luminoso e claro - mas há algo, uma perda, que faz tudo ficar triste.


Segundo, são as tristezas de crepúsculo. O crepúsculo é triste, naturalmente. Não, não há perda nenhuma. Tudo está certo. Não há razões para ficar triste. A despeito disso, no crepúsculo a gente fica. Talvez porque o crepúsculo seja uma metáfora do que é a vida: a beleza efêmera das cores que vão mergulhando no escuro da noite.



A alma é um cenário. Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca, inundada de alegria. Por vezes, ela é como um pôr de sol, triste e nostálgico. A vida é assim. Mas, se é manhã brilhante o tempo todo, alguma coisa está errada. Tristeza é preciso. A tristeza torna as pessoas mais ternas. Se é crepúsculo o tempo todo, alguma coisa não está bem. Alegria é preciso. Alegria é a chama que dá vontade de viver.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Grazy...

 
                       
                                                              Feliz Aniversário!

                                                        

domingo, 1 de dezembro de 2013

Uma vistoria...

Faz muitos anos, li um romance de um autor francês cujo nome nunca mais consegui lembrar. Este livro, indicação da Martha Medeiros, conta a história de uma paixão extraconjugal. O casal em questão, em um certo momento da história, escapa para o Exterior até o dia fatídico em que a mulher decide voltar para o ex-marido. Cabe ao homem, que é também o narrador, fazer a vistoria da casa que alugara para viver este amor. Assim, enquanto o funcionário da imobiliária apontava riscos nas paredes e lascas nos móveis, o narrador evocava os momentos vividos ali com a sua amante: o que para o corretor era uma marca na parede ou um risco na laca de uma mesa, para o narrador era a evocação de uma noite especial, de uma briga terrível onde copos foram quebrados e palavras duras foram ditas, de um passado vivido com amor em todos os seus altos e baixos. 
                     
Nunca esqueci daquela cena... Recentemente, acabei me colocando na pele daquele personagem no dia da vistoria do seu imóvel alugado. Porque recebi aqui na minha casa uma corretora, já que estamos de mudança e decidimos alugar o nosso apartamento. E então, um pouco porque sou romancista e a narrativa não se descola de mim (nem para o meu próprio bem), alternei-me entre o papel de dona da casa e o de corretora de imóveis: um tanto, eu olhava cada coisa com os meus olhos amorosos e cheios de memórias, e então eu já era a moça ao meu lado, enxergando cada pequeno risco, cada falha no taboão, cada porta que não encaixava perfeitamente. Eu via a janela cuja veneziana emperra um pouco ao descer pelo seu velho trilho, e via também uma tarde quando a veneziana emperrou em pleno temporal, e lembrei de como rimos e ficamos furiosos ao mesmo tempo, tentando fechar a teimosa veneziana. E vi, nos riscos do taboão, os primeiros passos do meu filho que já se vai para os 13 anos, e em cada canto, armário e gaveta, as recordações pulavam, lindas, doloridas e alegres; e eu já não estava mais mostrando o meu apartamento para outrem, estava revendo minha a vida feliz que vivi entre estas paredes nos últimos 12 anos. Natais, aniversários, as marcas dos carrinhos do meu filho caçula, os risos e as manhãs, as noites românticas, a cicatriz sob o tapete de um antigo pipi da nossa cachorrinha que fugiu há dois verões, tudo pulou em cima de mim. Não sei o que a corretora achou do nosso apartamento. A minha casa tem um estado de espírito e também seus defeitos, vincos, riscos e janelas teimosas. E tive orgulho de tudo isso naquele dia, como teve o personagem do romance que não consigo esquecer. O fato, meus amigos, é que a felicidade deixa marcas.

Letícia  Wierzchowski

sábado, 30 de novembro de 2013

Ângela...

Gosto de gente com a cabeça no lugar,De conteúdo interno,
Idealismo nos olhos e dois pés no chão da realidade.
Gosto de gente que ri,
Chora, se emociona com uma simples carta,
Um telefonema, uma canção suave, um bom filme,
Um bom livro, um gesto de carinho, um abraço, um afago.
Gente que ama e curte saudades, gosta de amigos,
Cultiva flores, ama animais.
Admira paisagens, poeira;
E escuta.
Gente que tem tempo para sorrir bondade,
Semear perdão, repartir ternuras,
Compartilhar vivências e dar espaço para as emoções dentro de si,
Emoções que fluem naturalmente de dentro de seu ser!
Gente que gosta de fazer as coisas que gosta,
Sem fugir de compromissos difíceis e inadiáveis,
Por mais desgastantes que sejam.
Gente que colhe, orienta, se entende, aconselha,
Busca a verdade e quer sempre aprender,
Mesmo que seja de uma criança, de um pobre, de um analfabeto.
Gente de coração desarmado, sem ódio e preconceitos baratos.
Com muito AMOR dentro de si.
Gente que erra e reconhece, cai e se levanta,
Apanha e assimila os golpes,
Tirando lições dos erros e fazendo redentora suas lágrimas e sofrimentos.
Gosto muito de gente assim...
E desconfio que é deste tipo de gente que DEUS também  gosta!

Arthur da Távola


Feliz Aniversário!



quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Deika ...

Minha querida Orientadora!
Quero te agradecer, por tudo, principalmente por ter me incentivado a escrever sobre um tema novo, que desperta tanta paixão em nós! Obrigada por estar sempre disposta a me ajudar, por pesquisar junto comigo, me emprestar teus livros, me cobrar trabalho na hora certa. Obrigada por estar sempre disponível e por se mostrar sempre interessada, foi muito importante pra mim saber que podia contar contigo.
Um beijão, te adoro!

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Os filhos são como pipas...




“Os filhos são como as pipas;

Você 
Ensinará a voar, mas não voarão o teu voo
Ensinará a sonhar, mas não sonharão teu sonho.
Ensinará a viver, mas não viverão a tua vida.
Porém em cada voo,
em cada sonho,
e em cada período de suas vidas,
permanecerá para sempre os rastros de teus ensinamentos.”

Autor desconhecido

Tanto Cara


domingo, 24 de novembro de 2013

Mosaicos na UFSC...

                                                         
                           
São de  autoria do artista plástico Rodrigo de Haro, os diversos painéis de mosaicos  encontrados no prédio da reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC localizados no hall de entrada.

Os textos da obra, executada durante as gestões dos reitores Diomário de Queiroz e Rodolfo Pinto da Luz, resumem a história das Américas por meio de relatos de viagens, crônicas pré-colombianas, lendas amazonenses, literatura colonial e poemas de autores contemporâneos. Há excertos de textos do folclorista Câmara Cascudo, dos navegadores/cronistas Francisco Lopes de Gómara e Adelbert Von Chamisso e de escritores brasileiros como Raul Bopp, Pedro Port e Alcides Buss. No lado interno do hall da reitoria, parte de uma parede é dominada por um mosaico com a imagem de Catarina de Alexandria, padroeira dos estudantes e do Estado de Santa Catarina. E, na parede a ser refeita, está a obra “Travessia”, com os traços de Rodrigo de Haro e os seres míticos que predominam em sua obra plástica.

Os painéis feitos por Rodrigo de Haro se tornaram uma das atrações da universidade e, para muitos, uma visita obrigatória para quem vem a Florianópolis. É comum pessoas que participam de congressos e outros eventos na UFSC posarem para fotos em frente à reitoria por causa da obra. O trabalho é citado no livro “Mosaicos brasileiros”, de Henrique Gougon, como uma das referências na arte do mosaico no país.


domingo, 10 de novembro de 2013

A juventude da maturidade...

                                                                     


Feliz aniversário!

Foi só ela ouvir o cumprimento e virou o rosto como se estivesse sendo agredida. “Não repita isso de novo. Não sei o que há de feliz em ficar mais velha”.

Respondi: “Você diz isso porque está fazendo 34 anos. Quando fizer 52, vai sentir vontade de pendurar balões pela casa”.

Ela desvirou o rosto e voltou a me encarar como se eu estivesse tendo algum surto de insanidade. Exatamente como aquelas expressões que ilustram a coluna da Mariana Kalil aqui no Donna, com um baloon escrito “HÃ?”.

Só quem atravessa ao menos cinco décadas de vida pode entender a bênção que é entrar na segunda juventude.

Claro que antes é preciso passar pelo purgatório. Poucos chegam aos 50 anos sem fazer uma profunda reflexão sobre a finitude, e dá um frio na barriga, claro. Amedronta principalmente quem ainda não fez nem metade do que gostaria de já ter feito a essa altura. Será que vai dar tempo?

Passado o susto, a resposta: vai. E se não der, não tem problema. Você não precisa morrer colecionando vontades não realizadas. Troque de vontades e siga em frente sem ruminar arrependimentos. Você finalmente atingiu o apogeu da sua juventude: é livre como nunca foi antes.

Sendo assim, não passe mais nem um dia ao lado de alguém que lhe esnoba, lhe provoca ou que não se importa com seus sentimentos. Pare de inventar razões para manter seus infortúnios, você já fez sacrifícios suficientes, agora se permita um caminho mais fácil. Se ainda dá trela a fantasmas, se ainda pensa em vingançazinhas ordinárias, se ainda não perdoou seus pais e seu passado, se ainda perde tempo com vaidades e ambições desmedidas, se ainda está preocupado com o que os outros pensam sobre você, está pedindo: logo, logo vai virar um caco.

Para alcançar e merecer a segunda juventude, é preciso se desapegar de todas aquelas preocupações que existiam na primeira. Quando essa Juventude Parte 2 terminar, não virá a Juventude Parte 3, mas o fim. Então, esta é a última e deliciosa oportunidade de abandonar os rancores, não perder mais tempo com besteiras e dar adeus à arrogância, à petulância, à agressividade, ou seja, adeus às armas, aquelas que você usava para se defender contra inimigos imaginários. Agora ninguém mais lhe ataca, só o tempo – em vez de brigar contra ele, alie-se a ele, tome o tempo todo para si.

Eu sei que você teve problemas, e talvez ainda tenha – muitos. Eu também tive, talvez não tão graves, depende da perspectiva que se olha. Mas isso não pode nos impedir a graça de sermos joviais como nunca fomos antes. Lembra quando você dizia que só gostaria de voltar à adolescência se pudesse ter a cabeça que tem hoje? Praticamente está acontecendo.

Essa é a diferença que tem que ser comemorada. Na primeira juventude, tudo vai acontecer. Na segunda, está acontecendo.

                                                      Martha Medeiros


Jornal Zero Hora – 10/11/2013

Sonho de Consumo

                                                                      


Hoje, morar em Floripa virou um sonho de consumo. Não conheço brasileiro de bom gosto que não ame Floripa, que não persiga a Ilha nos verões abrasivos ou na amenidade de abril-maio, querendo testemunhar os mais belos "ocasos" do planeta - e, por tabela, ouvir os "casos raros" da ilha formosa. Seria o caso de se parodiar o samba famoso e versejar:

- Quem não ama Floripa/ Bom sujeito não é/ Ou é ruim da cabeça/ Ou doente do pé...

Há, contudo, "ruins da cabeça" que não acreditam mais na salvação da cidade, condenada ao imobilismo. E pregam, de forma mesquinha, uma política de "pão e água" para Floripa, cujos problemas urbanos "não mereceriam mais o investimento e a atenção dos governos".

Aí, perdem a razão. A esses poucos dedico um poema do modernista imortal Raul Bopp, que se enamorou de Floripa quando aqui esteve nos anos 1930. Versos livres, que chamou "Florianospi":

Florianospi de casaria tranquila/ Penteada com ar colonial/ As ruas abraçam a gente:/ - Como vais?/ Moças olham quem passa das janelas/ Criança faz pipi na calçada/ Na praça, as velhas árvores protegem os namorados.../ Ah, adeus cidade titia/ Que dá melado pra gente./

Pois é. Floripa dá melado para todos, mesmo para aqueles que contra ela destilam fel.

                                  Sérgio da Costa Ramos
                                   Diário Catarinense



domingo, 3 de novembro de 2013

Uma oração para os vivos...

                                                                   

        Que honremos o fato de ter nascido, e que saibamos desde cedo que não basta rezar um Pai- Nosso para quitar as falhas que cometemos diariamente. Essa é uma forma preguiçosa de ser bom. O sagrado está na nossa essência, e se manifesta em nossos atos de boa-fé e generosidade, frutos de uma percepção profunda do universo, e não de ocasião. Se não estamos focados no bem, nossa aclamada religiosidade perde o sentido.

Que se perceba que quando estamos dançando, festejando, namorando, brindando, abraçando, sorrindo e fazendo graça, estamos homenageando a vida, e não a maculando. Que sejam muitos esses momentos de comemoração e alegria compartilhados, pois atraem a melhor das energias. Sentir-se alegre não deveria causar desconfiança, o espírito leve só enriquece o ser humano, pois é condição primordial para fazer feliz a quem nos rodeia.

Que estejamos sempre abertos, se não escancaradamente, ao menos de forma a possibilitar uma entrada de luz pelas frestas. Que nunca estejamos lacrados para receber o que a vida traz. Novidade não é sinônimo de invasão, deturpação ou violência. Acreditemos que o novo é elemento de reflexão: merece ser avaliado sem preconceito ou censura prévia.

Que tenhamos com a morte uma relação amistosa, já que ela não é apenas portadora de más notícias. Ela também ensina que não vale a pena se desgastar com pequenas coisas, pois no período de mais alguns anos estaremos todos com o destino sacramentado, invariavelmente. Perder tempo com picuinhas é só isso, perder tempo.

Que valorizemos nossos amigos mais íntimos, as verdadeiras relações pra sempre.

Que sejamos bem-humorados, porque o humor revela consciência da nossa insignificância – os que não sabem brincar se consideram superiores, porém não conquistam o respeito alheio que tanto almejam. Ria e engrandeça-se.

Que o mar esteja sempre azul, que o céu seja farto de estrelas, que o vinho nunca seja proibido, que o amor seja respeitado em todas as suas formas, que nossos sentimentos não sejam em vão, que saibamos apreciar o belo, que percebamos o ridículo das ideias estanques e inflexíveis, que leiamos muitos livros, que escutemos muita música, que amemos de corpo e alma, que sejamos mais práticos do que teóricos, mais fáceis do que difíceis, mais saudáveis do que neurastênicos, e que não tenhamos tanto medo da palavra felicidade, que designa apenas o conforto de estar onde se está, de ser o que se é e de não ter medo, já que o medo infecciona a mente.

Que nosso Deus, seja qual for, não nos condene, não nos exija penitências, seja um amigo para todas as horas, sem subtrair nossa inteligência, prazer e entrega às emoções que nos fazem sentir plenos.

A vida é um presente, e desfrutá-la com leveza, inteligência e tolerância é a melhor forma de agradecer – aliás, a única.


Martha Medeiros
                 


   

A vida tem sabor pela morte...

                                                                               

Cada declinar do dia aponta o dormitório final do homem a qualquer hora pela morte.
 O dia se despede, dando um até logo, deixando lugar às sombras que com vagar se completam. 
A noite é uma pequena morte. Alguns santos, quando deitavam, ensaiavam sua sepultura.
Como o dia acaba, e nos preparamos para hibernar, de modo análogo acabará nosso tempo, nossos anos, nossos dias. Os dias e horas se vão esvaindo e, como crianças desobedientes que não querem ir cedo pra cama, nenhum de nós almeja dormir tão logo eternamente.
 Devemos ser capazes de entregar a Deus o trabalho incompleto de cada dia, da mesma forma que entregaremos, por ocasião da morte, a tarefa incompleta de nossa existência na terra.
É sábio e realístico entregar o fim do dia e deixar tudo para o outro amanhecer, o que não podemos concluir nesse adormecer.
Mais sapiente ainda é a entrega final de nosso ser, entregando a Deus nossa existência mortal, apesar de nos enxergarmos incompletos no temeroso dia final. Há necessidade de estar ciente de constituir-me num ser finito e limitado, cada qual caminhando para a derradeira morte.
 Na perspectiva heideggeriana, o homem é ser-de-angústia, ser-de-projeto e, em especial, o que o filósofo da flor esta negra chamou de ser-para-a-morte.
 Segundo o filósofo existencial e um tanto fatalista, o ser-aí é o homem e o mundo ao mesmo tempo, em sua realidade finita e imediata, entregue ao seu destino.
Desse modo, o homem também não é uma mera coisa que reside inerte em um mundo emergente. Pelo contrário, na medida em que compreende o seu ser mergulhado na história, o homem se coloca no campo da possibilidade e elabora a criatividade de seu existir.
O declínio de cada entardecer provoca uma angústia e nostalgia em cada um de nós, vendo o dia que passa ser engolido pelas trevas e desaparecendo no vazio da insignificância como tempo perdido que não volta. Da mesma forma, no ocaso de nossa permanência no mundo, seria frustrante crer que declinados simplesmente em pó, fossemos engolidos pela morte e escuridão, sem esperança de alvorecer para uma eternidade.
Ninguém de nós quer abraçar a morte. Não queremos partir e não queremos deixar que os que amamos partam. Se vamos a um velório e em finados visitarmos os túmulos de nossos mortos, existirá nessa hora a vantagem de ainda não ser eu que estou lá. Mas um dia estarei usando a última vestimenta de madeira. Tememos a morte como uma vilã que vem nos assombrar, em hora incerta e imprecisa. Muitos se angustiam com sua chegada. O temor é normal, a angústia, existencial e paradoxal.
A angústia é mais ampla que o temor, pois carrega um pretenso remorso de haver vivido em vão os nossos dias, que passam como sombra. Como diz um salmo: “O homem é como um sopro; os seus dias, como a sombra que passa” (Salmo 144).
A perspectiva cristã aponta uma e única vida depois da morte.
 Ao bom ladrão arrependido a seu lado no calvário, Jesus prometeu que ainda naquele mesmo dia estaria ele com Deus no paraíso, não depois de repetidas vidas após esta.
A eternidade consiste em uma continuidade dessa vida que damos andamento e direção, quer para a salvação, quer para a perdição. O livro da sabedoria aponta que Deus não fez a morte, nem tem prazer com a destruição dos vivos e que a justiça é imortal (Sb 1,13-15).
Na verdade, é a morte que dá sentido à vida, as sombras dão destaque à luz, a noite dá beleza ao dia, a negritude da noite, o destaque às estrelas cintilantes
É a presença da maldade que dá heroísmo à bondade, a angústia dá sabor ao conforto, à paz e tranquilidade.
 É a efemeridade da vida passageira que tempera a infinitude, que buscamos cada qual, criados que fomos por um Deus Imortal e Eterno.
Gerson Schmidt