O laranjal era o mesmo, tinha só mais umas casas e as comissões da minha mãe na casa de bordados
subiram, mas no resto não se podia dizer que estivesse diferente. O nosso jardim tinha duas laranjeiras e um limoeiro, havia ameixeiras despidas no Inverno e carregadinhas de flor na Primavera. E os dias nasciam no rumor de sons familiares
As manhãs começavam assim, com os travões dos autocarros a fazer a curva e o cantar dos galos nos galinheiros. O pão, agora, chegava num carro e os gira-discos dos vizinhos já não tocavam o Teixeirinha, mas os singles da moda, daqueles com cantores de jeans rasgados a tocar sintetizador. A minha mãe e a minha tia Alice ainda arranjavam o cabelo no anexo da casa de uma vizinha, mas corria pelos becos e caminhos a CEE.
Ninguém sabia com exactidão o que eram as Comunidades Económicas Europeias, só se sabia que agora era melhor. E foi nesse "agora é melhor" que vivi os últimos anos da adolescência, entre o mundo novo e o mundo antigo que desaparecia no brilho das coisas modernas. Comecei a receber notas de um conto e cinco contos pelo anos e Natal, a juntá-las todas para comprar roupas e sapatos.
A CEE dos edifícios cinzentos de Bruxelas trouxe candeeiros para o caminho e, devo dizer, também me deu alguma confiança para entrar no liceu sem me sentir a mais esquisita. Os sapatos já não eram de mordoma de Nossa Senhora da Visitação, eram da Cloé, depois da Mattas e com estilo.
Um estilo como o que o meu irmão trouxe da tropa, depois de três meses em Mafra. Além do cabelo pente um, chegou com as golas dos casacos levantadas, as bainhas das calças de ganga viradas e sapatos pretos com uma chapinha de metal. E era tão bom ir tomar café com ele, assim tão alternativo.
Parecia que o preto da roupa inspirava a falar de coisas importantes, sobre o futuro, a arte, a literatura. O meu irmão escrevia poemas, admirava Mário de Sá Carneiro e os heterónimos de Fernando Pessoa; eu sonhava com tertúlias em Lisboa, que era para onde havia de ir estudar depois de acabar o secundário. A CEE ou "o agora é melhor" tinha mudado as perspectivas, embora a minha mãe continuasse a repetir que não tínhamos dinheiro.