quarta-feira, 6 de abril de 2016

A feijoada zen...

                                                                              

Feijoada, torresmo e caipirinha podem se tornar uma dieta tão saudável quanto a vegana. Há algum tempo certas pesquisas revelaram que a gordura não é tão ruim para a saúde. Quando li as reportagens a respeito, fiquei uma fúria. Queria ter dado a notícia primeiro, sem apoio de nenhuma pesquisa médica. Somente pela observação. Começo pela mãe de um amigo. Tem 90 anos, come feijoada todo sábado e devora pratos de torresmo. Sai com as amigas, se diverte. É absolutamente lúcida. Já soube de mais uns dois ou três casos de velhas rijas, do interior paulista e mineiro. Nenhuma abre mão do torresminho e da feijoada. Você também já deve ter conhecido uma velha assim, não é? Meu amigo, em São Paulo, tem a saúde bem mais duvidosa que a mãe. Vive gripado, segue uma dieta estrita, sem carne vermelha, foge de fritura!
Já refleti: se essas velhas morassem no Tibete, teríamos algum livro com um título do tipo A fabulosa dieta tibetana do torresmo. Tudo o que é distante, original, vira até moda. Ganha seguidores, centros de estudo. Imagino as pessoas meditando sobre os benefícios do torresmo. Ou tomando doses de “caipirinha sagrada”, como caminho para o autoconhecimento. Bem..., nesse caso, deve mesmo funcionar. Só depende do número de doses. Em compensação, o que é próximo, corriqueiro, passa despercebido. Podemos conceber uma nova vida, a partir do único exemplo de algum monge mal-humorado que viva no Himalaia. Jamais observamos a vida simples da velhinha da esquina. Nunca meditamos sobre as vantagens de um bom caldo de galinha caipira.
Certa vez estive em Veranópolis, na Serra Gaúcha. É conhecida como a Terra da Longevidade. O modo de vida de seus habitantes, que atingem mais de 100 anos, começou a ser estudado pela Organização Mundial da Saúde desde 1994. É uma zona de cultivo de maçãs, uvas. Produz vinho. Logo após minha palestra numa escola, sobre meus livros infantojuvenis, serviram-me café com uma bandeja de cueca-virada. Não maliciem, por favor. Cueca-virada é o nome de uma rosquinha de massa dobrada, frita em gordura e, depois, passada no açúcar. Uma delícia! Claro, deve ser uma bomba de colesterol. Principalmente para um guloso como eu, que, aproveitando minha situação de homenageado, raspei a bandeja toda. (Rasparia outra!) Se esse é um prato típico da Terra da Longevidade, não dá o que pensar? Novamente, se fosse oferecido na Índia, seria reverenciado como alimento sagrado dos monges. Não?
Podem me atirar pedras. Nunca acreditei em pesquisas médicas alardeadas mundo afora. Sempre gostei de ovos. Adoro ovo frito com gema mole e pãozinho francês, para molhar. De repente, o ovo foi crucificado pelas pesquisas de saúde. Simplesmente continuei comendo ovos. Até melhorei minha técnica em omeletes. Há algum tempo, veio uma nova conclusão científica: ovo faz bem. Continuei com os ovos, com a consciência tranquila. É sempre assim: de tempos em tempos, descobrem que algum alimento é péssimo. Depois, que é bom. Ao lado disso, a alimentação torna-se, para alguns, uma espécie de seita. Comer isso ou aquilo vem carregado de interpretações sobre sentimento, caráter e ética. Tenho um amigo que certa vez se recusou a comer mariscos na casca.
– Tenho pena dos bichinhos – disse.
– E você ainda diz que é hétero? – perguntei.
Tudo bem, desculpem. Minha pergunta foi preconceituosa, mas vamos combinar que um sujeito capaz de chorar de piedade por alguns mariscos desperta suposições. Para superar dramas éticos, as pessoas cada vez mais querem comer algo que não pareça o que comem de fato. Loucura! Por exemplo: um filé de frango, e não o próprio frango assado com farofa. Estrogonofe, bife. Tudo o que distancia do animal em si. Algumas crianças nunca viram uma galinha de verdade, com penas. Ou uma vaca. Imaginam que são itens de supermercado, que sua ligação com o mundo animal até pode existir, mas não sabem muito bem como isso acontece.
É uma eterna hipocrisia alimentar.
Acredito que, para vencer colesterol, pressão alta e muitos problemas de saúde, é preciso viver com alegria. E comida, para mim e acredito que para muita gente, é um fator de felicidade. Só um chato não aprecia uma boa feijoada com cerveja e caipirinha no fim de semana. Para depois deitar, corpo mole. E... humm... relaxar. Feijoada zen. É um caminho de meditação e longevidade. Essa é a lição das velhinhas que conheci.

Walcyr Carrasco

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