O dia amanheceu branquinho nesse feriado de thanksgiving, o Dia de Ação de Graças americano. Há quatro dedos de neve acumulada no solo duro e nos telhados inclinados, e isso que estamos apenas no outono do Hemisfério Norte. Foi o suficiente para o meu filho se encantar com a paisagem, e eu também. É frio, mas é bonito.
Gosto disso, de haver um dia dedicado a agradecer às coisas boas da vida. São muitas, realmente. Poderia ficar até a noite aqui, olhando pela grande janela francesa da minha sala, vendo a natureza e a cidade que se ergue em meio a ela, ambas oscilando entre o severo e o exuberante, poderia ficar aqui até escurecer, agradecendo. A vida é boa.
Mas a vida não é reta, de forma alguma. Está sempre acontecendo, sempre no gerúndio e sempre fazendo curvas inesperadas. E eu... eu não fico pronto nunca. Todos os dias descubro defeitos a corrigir e contemplo o infinito do que falta a aprender. E quem garante que estou avançando? Quem garante que é uma evolução? Posso muito bem estar piorando, em vez de melhorar.
Penso nisso enquanto observo os esquilos correndo pelos galhos nus das árvores. Vou resistir a tecer qualquer imagem que compare a minha existência à atividade dos esquilos ou à visão da neve derretendo, seja o que for que esteja diante de mim. Nem consigo pensar muito tempo na minha própria vida, logo penso no Brasil.
Sim, estou num mundo distante, num cenário nada tropical, mas penso no Brasil. Não por nostalgia, não por patriotismo, nada disso. É que razoável parcela das graças que me foram dadas e pelas quais jogo minhas mãos para o céu estão aí, no Brasil: são as pessoas. As minhas relações afetivas.
Então, me questiono: o Brasil estará melhorando?
O Brasil também vive no gerúndio e, quando olho para a educação básica e fundamental, para a saúde e para a segurança, que são as áreas de responsabilidade dos governos, quando olho para esse lado, estremeço: aí, o Brasil só piorou.
Mas, institucionalmente, o Brasil mudou para melhor. Hoje nós brasileiros compreendemos a democracia como um bem em si e nossas ideias do que é ou não é ético estão mais claras. Já não aceitamos certos arranjos do passado até recente. E isso não foi obra de governo algum. Nossos governos, de Collor para cá, tiveram certos méritos e muitas falhas, mas a verdadeira evolução se deu na consciência social.
A independência da imprensa, do Ministério Público e da Polícia Federal, as leis anticorrupção e o instituto da delação premiada, tudo isso é fruto de conquistas da sociedade, não é benevolência de líderes abençoados. Os brasileiros exigiram mudanças nesse setor da vida pública, e elas ocorreram.
Agora, nas próximas semanas ou meses, o Brasil estremecerá quando os detalhes das investigações sobre a corrupção na sua maior empresa forem revelados. Os nomes dos políticos envolvidos, enfim, serão divulgados. E, nesse momento, veremos o nível da nossa evolução. Muitos querem nos fazer participar de um campeonato de corrupção. Quem rouba mais? Governo ou oposição? Roubou-se mais agora ou antes? Não é o que está em disputa. Não há disputa. O que há é uma oportunidade quase religiosa de se redimir pela expiação. É corrupto? Puna-se. Seja quem for, de onde for.
Ficou comprovado que o governo do PT é corrupto? Tirem esse governo e ponham outro em seu lugar, como já foi feito. O outro, digamos, do PMDB de Temer, comprovou-se que também se corrompeu? Tirem-no e o substituam por um novo. O novo, sei lá, do PSDB de Aécio, mostrou-se igualmente corrupto? Tirem-no também, sem vacilação. E vamos tirando e vamos trocando. Haveremos de encontrar os honestos. Mas sempre mantendo a regra constitucional, a lisura democrática e, se não for comprovada irregularidade, que fique como está.
Ah, é uma bela oportunidade de evoluir. Temos de dar graças a essa chance. Porque, sim, o Brasil está melhorando. Decerto que está. Queria, agora, olhar para essa manhã gelada lá fora e pensar que eu também.
David Coimbra
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