A gente fica mais sabido. Tudo explicadinho.
No final das contas, tudo se deve a esse gigantesco infinitamente pequeno disquete que existe
dentro das células do corpo chamado DNA.
dentro das células do corpo chamado DNA.
Nele está gravado o nosso destino.
Antes de existir, eu já estava “programado” inteiro: a cor dos meus olhos, as linhas do meu rosto, a
minha altura, os cabelos brancos precoces, o seu adeus que nada consegue evitar, o sexo.
minha altura, os cabelos brancos precoces, o seu adeus que nada consegue evitar, o sexo.
Dizem alguns que lá está até um relógio que marca quantos anos eu vou viver.
E é implacável: o que a natureza põe, não há homem que disponha
Programa mais complicado que o DNA não existe. Tudo tem de acontecer direitinho, na ordem certa.
E quase sempre acontece. Quase sempre… Vez por outra uma coisinha não acontece segundo o
programado. E o resultado é uma coisa diferente.
E quase sempre acontece. Quase sempre… Vez por outra uma coisinha não acontece segundo o
programado. E o resultado é uma coisa diferente.
Assim aparecem os daltônicos, que não vêem as cores do jeito como a maioria vê. Ou o canhoto, que
tem de tocar violão ao contrário.
tem de tocar violão ao contrário.
De vez em quando, uma criança com síndrome de Down.
E quem não me garante que Mozart não foi também um equívoco do DNA?
Pelo que sei, a receita não se repetiu até hoje…
O artigo prosseguia para mostrar que é assim que, vez por outra, aparecem pessoas com uma
sensibilidade sexual diferente: os homossexuais. Tudo aconteceu lá no DNA: um relezinho que
funcionou de maneira não programada. Primeiro, caiu o relê que determina o sexo, se vai ser homem
ou mulher. Depois, o relê que determina os caracteres secundários, que fazem a “imagem” do
homem e da mulher. Por fim, o relê que determina o objeto que vai disparar as reações químicas e
hidráulicas necessárias para o ato sexual.
sensibilidade sexual diferente: os homossexuais. Tudo aconteceu lá no DNA: um relezinho que
funcionou de maneira não programada. Primeiro, caiu o relê que determina o sexo, se vai ser homem
ou mulher. Depois, o relê que determina os caracteres secundários, que fazem a “imagem” do
homem e da mulher. Por fim, o relê que determina o objeto que vai disparar as reações químicas e
hidráulicas necessárias para o ato sexual.
Esse objeto é uma imagem. Nos heterossexuais, é a imagem de uma mulher. Nas mulheres
heterossexuais, é a imagem de um homem que faz o seu corpo estremecer.
heterossexuais, é a imagem de um homem que faz o seu corpo estremecer.
Acontece, entretanto, que por vezes esse último relê não funciona e a pessoa fica ligada à imagem
do seu próprio sexo.
do seu próprio sexo.
A imagem que vai como-ver seu corpo é uma imagem semelhante à sua.
E isso que é ser homossexual. O homossexualismo é uma condição estética.
Tudo por obra do DNA.
Nada tem a ver com educação, com a mãe ou com o pai.
Ninguém é culpado, pois culpa só pode existir quando existe uma escolha. Mas ninguém escolheu. oi
Foi o DNA que fez.
Foi o DNA que fez.
E nem pode ser pecado. Pois pecado só existe onde existe culpa. E nem pode ser curado, pois o que
a natureza fez não pode ser desfeito
a natureza fez não pode ser desfeito
E foi nesse momento eu estava meditando sobre essas coisas que fogem à compreensão dos
homens, como a origem do DNA, o processo pelo qual ele foi estabelecido, se por acidente, se por
tentativa e erro, se por obra de algum programador invisível
homens, como a origem do DNA, o processo pelo qual ele foi estabelecido, se por acidente, se por
tentativa e erro, se por obra de algum programador invisível
— que uma coisa estranha aconteceu:
um barulho como eu nunca ouvira, no meu jardim. Tirei os olhos do artigo, olhei através do vidro da
janela e o que vi — inacreditável — um urubu, sim um urubu, batendo furiosamente as asas como s
fosse um beija-flor, diante de uma flor de alamanda sugando o melzinho.
janela e o que vi — inacreditável — um urubu, sim um urubu, batendo furiosamente as asas como s
fosse um beija-flor, diante de uma flor de alamanda sugando o melzinho.
Achei que estava tendo alucinação, mas não. Era verdade.
O urubu, ao ver meu espanto, pousou no galho de uma árvore de sândalo e começou a se explicar,
do jeito mesmo que acontecia. “Sofro muito. Nasci diferente. Urubu, todo mundo sabe, gosta de
carniça. Basta que se anuncie carcaça de algum cavalo morto, os olhos dos urubus ficam brilhando,
a saliva escorre pelos cantos do bicos, a língua fica de fora — e lá vão eles churrasquear.
do jeito mesmo que acontecia. “Sofro muito. Nasci diferente. Urubu, todo mundo sabe, gosta de
carniça. Basta que se anuncie carcaça de algum cavalo morto, os olhos dos urubus ficam brilhando,
a saliva escorre pelos cantos do bicos, a língua fica de fora — e lá vão eles churrasquear.
Urubu acha carniça coisa fina, manjar divino!
Eles não a trocariam por uma flor de alamanda por nada nesse mundo!
Mas eu nasci diferente. Meus pais, coitados, morreram de vergonha quando ficaram sabendo que
eu, às escondidas, sugava o mel das flores.
eu, às escondidas, sugava o mel das flores.
Compreensível.
O sonho de todo pai é ter um filho normal, isto é, igual a todos. Urubu normal gosta de carniça. Eu
não gostava. Era anormal. Fiquei sendo objeto de zombaria.
não gostava. Era anormal. Fiquei sendo objeto de zombaria.
Na escola, logo descobriram minhas preferências alimentares. E impossível esconder. Se todo o
mundo está comendo carniça e você não come, que explicação você pode dar?
mundo está comendo carniça e você não come, que explicação você pode dar?
Aí meus pais começaram a sofrer, pensando que eu era assim por causa de alguma coisa errada que
tinham feito na minha educação.
tinham feito na minha educação.
Me mandaram para o padre. Severo, ele abriu um livro sagrado e disse que Deus, o Grande Urubu,
estabelecera que carniça é o manjar divino.
estabelecera que carniça é o manjar divino.
Urubu, por natureza e por vontade divina, tem de comer carniça. Chupar mel é contra a natureza.
Urubu que chupa mel de flor está em pecado mortal.
Urubu que chupa mel de flor está em pecado mortal.
Terminou dizendo que eu iria para o inferno se não mudasse meus hábitos alimentares.
E me deu, como penitência, participar de cinco churrascos. Saí de lá me sentindo o mais miserável
dos pecadores.
dos pecadores.
Mas o medo não foi capaz de mudar o meu amor pelas flores. Não cumpri a penitência.
Meus pais me mandaram, então, para um psicanalista que cobrava R$120,00 por sessão.
Todos os sacrifícios são válidos para fazer o filho ficar normal. A análise durou vários anos.
Ao final, fui informado que eu gostava de mel porque odiava meu pai, a quem eu queria matar, para
ficar sozinho com a minha mãe.
ficar sozinho com a minha mãe.
Aí, além de pecador, passei a sofrer a maldição de Édipo.
Continuei a gostar do mel da flores.
Por isso estou aqui, no seu jardim”.
Houve um momento de silêncio e eu vi o que nunca havia visto: um urubu chorando.
Notei que suas lágrimas não eram diferentes das minhas.
Aí ele continuou: “Gosto das flores. Não quero gostar de carniça. Não quero ficar igual aos outros.
Só tenho um desejo: gostaria de não ter vergonha, gostaria que não zombassem de mim,
chamando-me de ‘beija flor’, eu não sou beija-flor. Sou um urubu.
Só tenho um desejo: gostaria de não ter vergonha, gostaria que não zombassem de mim,
chamando-me de ‘beija flor’, eu não sou beija-flor. Sou um urubu.
Eu gostaria de ter amigos… O que me dói não é a minha preferência alimentar, pois não fui eu quem
me fiz assim. O que me dói é minha solidão.
me fiz assim. O que me dói é minha solidão.
Gosto de flores por culpa do DNA. Mas a minha solidão é por culpa dos outros urubus, que poderiam
ser meus amigos”.
ser meus amigos”.
Ditas essas palavras, ele se despediu e voou par uma alamanda do jardim vizinho.
E eu fiquei a pensar que o mundo seria mais feliz se todos pudessem se alimentar do que gostam,
sem ter de se esconder ou se explicar.
sem ter de se esconder ou se explicar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário