domingo, 5 de abril de 2015

Meus Velhos...

                           

Fabrício Carpinejar

Meu amor pelos pais hoje é silencioso.
Não me interessa mais ser compreendido, ter razão, confirmar a inteligência. Não busco ganhar discussões, convencê-los de minhas ideias.
Não me sento rebelde à mesa, não parto da sala de jantar enfurecido com os sermões. Não puxo temas como aborto e pena de morte. Não me desgasto com política e futebol. Não fico em cima para mudar seus votos e denunciar seu conservadorismo. Eu me retiro da minha vaidade, por um breve tempo, para admirá-los envelhecendo e guardá-los em mim.
Às vezes pergunto que novela é aquela que está passando na televisão para, em seguida, retomar minha quietude. Outras vezes, nos intervalos comerciais, comento notícias rápidas sobre a saúde dos netos.
Esqueço o mundo, e também me esqueço. Não me importo se aprovam e desaprovam a minha nova mulher, se concordam e discordam com o meu estilo de vida.
Não compro briga, não vendo briga. Eles mal reparam em minha presença, não lembram que estou próximo, desapareço pela casa.
Não preciso que me digam que me amam e que se desculpem por alguma falha. Meus pais passam a ser unicamente meus pais. Não melhores, nem piores: meus pais. Não projeto minhas expectativas, não reivindico a fonte das frustrações. Sequer identifico traços de seus antigos ofícios. Parece que nasceram pais. São tão somente meus velhos e eu sou o filho deles.
Dedico um longo olhar atento e vigilante. Dedilho os lábios em oração. Torno-me menos carente e mais útil.
Acompanho os dois a um passo deles, jamais denunciando que estou seguindo.
Eu me preocupo em ajeitá-los com os dois travesseiros, em oferecer o braço para descerem do carro, em limpar o canto de suas bocas após uma refeição, em descalçar seus pés, em preparar um chimarrão e buscar água gelada na cozinha, em pagar as contas dos restaurantes, em ajudá-los a tirar o pulôver sem raspar o rosto.
Minha voz converte-se em gesto. Não quero sensibilizá-los além da conta. Acabaram as revoluções, os momentos de brabeza entre nós, anulamos as diferenças.
Não falo com meus pais. É um esforço meticuloso de mímica e de cuidado.
Tenho medo de irritá-los, tenho medo de estragar a nossa amizade, e que não dê mais tempo para a nossa reconciliação.

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