Almoço fora todos os dias. Isso não é problema, porque meu escritório fica junto à Praça General Osório, em Ipanema, local muito movimentado e com grande variedade de restaurantes. Em geral, prefiro aqueles que oferecem comida a quilo, essa maravilhosa invenção moderna (há quem garanta ser invenção brasileira) que permite comer na medida certa, sem desperdícios, e observar os pratos antes de fazer a escolha.
Mas gosto dos restaurantes a quilo também por outra razão: são feitos sob medida para os solitários. Neles, reinam os introvertidos, os retraídos, os tímidos. Você entra, escolhe, pesa, se senta, come, paga e vai embora. Se não quiser, não precisa conversar com ninguém, emitir um som, pronunciar uma só palavra.
Talvez por isso, os restaurantes a quilo vivam apinhados de pessoas sozinhas. Neles, elas não têm qualquer pudor de se sentar à mesa sem ter companhia, nem nos fins de semana, que é tempo de família, amigos, congregação. Os restaurantes a quilo são também muito freqüentados por turistas, pois é um conforto para eles entrar e comer num lugar em que não precisam tentar se entender com pessoas que só falam essa língua secreta chamada português.
O restaurante a quilo é o lugar onde a palavra é supérflua e onde deveria reinar o silêncio. Pois é - deveria. Mas o que ocorre é justamente o contrário. E por quê? Por culpa do telefone celular.
Por alguma razão, as pessoas precisam falar ao celular quando se sentam para comer. Resolvem assuntos pendentes, pedem informações, fazem encomendas, fecham negócios ou mesmo batem papo com o amigo ou amiga que não vêem há tempos - e tudo isso enquanto mastigam e engolem o almoço. Pobres estômagos.
E pobre de mim. Não consigo ficar indiferente ao que está sendo dito nos celulares à minha volta. Assim que a conversa se estabelece, começo a prestar atenção ao que está sendo dito e, daqui a pouco, quase sem perceber, me vejo vivendo a vida dos outros. Sofro, brigo, peço ou dou informação, falo de trabalho, marco reuniões, fico estressada com a mercadoria que não chegou - e tudo sem ter nada a ver com isso.
Outro dia, durante um almoço, participei de duas conversas inquietantes. A primeira foi quando uma jovem na mesa à minha esquerda, com acentuado sotaque gaúcho, atendeu um telefonema a respeito de uma encomenda. Do outro lado do fio, alguém tinha dúvidas e queria que ela confirmasse certas coisas. Não consegui entender a que produto se referiam, mas sei que a moça parou de comer e, segurando o celular entre a orelha e o ombro, catou na bolsa um caderninho e repetiu, aos gritos (a ligação parecia estar ruim), números de série do artigo encomendado. Enquanto isso, a comida em seu prato esfriava. E a minha também. Como eu poderia comer sem ver aquele assunto resolvido?
Mal ela desligou e já tocava o celular de outra senhora, duas ou três mesas à minha frente. Estava encoberta e não pude ver-lhe o rosto. Mas acompanhei, acabrunhada, sua conversa sobre a amiga internada, que acabara de ser operada. Perdi a fome de vez.
Com o advento do celular, minha vida ficou assim. Já não tenho noção dos limites (onde acaba a minha vida e começa a do outro?). Ou talvez tenham sido as pessoas que perderam esses limites. Porque a tecnologia transformou o mundo, mas não surgiram novas regras para acompanhar as transformações. Será que algum dia uma nova etiqueta vai entrar em vigor, estabelecendo que é falta de educação falar enquanto se almoça num restaurante (estando ou não de boca cheia)? Espero que sim. Mas, enquanto isso não acontece, vou vivendo a vida dos outros.
(Heloísa Seixas)
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