quinta-feira, 22 de maio de 2014

O despertar da compaixão...



  


Saiba diferenciar e experimentar a verdadeira compaixão

Compaixão é amor, sim. Mas uma espécie particular de amor, que pode ser vivenciado de diferentes maneiras. Pode ser exercitando a paciência, a tolerância, um estar perto em silêncio. Ter compaixão é olhar para o outro e ver o que ele precisa naquele momento. Pode ser um abraço apertado, uma bronca, uma orientação, uma ajuda material. A única condição essencial é que qualquer uma dessas ações parta do coração e que corresponda ao que é preciso naquele instante. Mas compaixão está a léguas da pena. Quem tem pena, muitas vezes, não ama verdadeiramente.
"Ter compaixão significa aliar amor e sabedoria", disse o mestre Geshe Lhakdor, um especialista em filosofia budista. Porque é preciso sentimento, sim, mas também um certo domínio da situação e inteligência. "Para ajudar o outro, compartilhar sua dor, é preciso estar inteiro, íntegro, e não caindo aos pedaços, emocionalmente falando", diz a psicóloga Ana Maria Silva, que dá suporte aos contadores de histórias da Associação Viva e Deixe Viver.

Os cinco tipos

Mas compaixão não é uma coisa só, um sentimento inequívoco que se apresenta de apenas uma maneira. O lama budista gaúcho Padma Samten conta como se manifestam os cinco aspectos diferentes da compaixão, relacionando-os às cinco cores (ou energias) emanadas pelos budas primordiais. "Na compaixão azul, por exemplo, olhamos para quem sofre e o acolhemos com ternura", diz ele. "E perguntamos interiormente: 'Quais as potencialidades e qualidades escondidas nesse ser? Como ele pode desabrochar?' E o ajudamos a seguir essa direção", explica.

A compaixão amarela está ligada à generosidade e à riqueza. "Então, quando vamos ajudar alguém, nós podemos não somente ouvi-lo e entendê-lo, como também podemos fazer algo a mais, dando oportunidades ou oferecendo meios materiais para que a pessoa possa sair daquela situação difícil", afirma o lama. É uma ajuda prática, que pode envolver dinheiro, comida ou trabalho.

Na compaixão vermelha, nossa principal atitude é tentar despertar a força interior da pessoa que está passando por uma dificuldade. É dar estímulo, promover sua alegria ou até aproveitar a raiva dela para direcioná-la na construção de uma nova vida. "Às vezes não basta dar acolhimento e condições materiais, se a gente não estimula o despertar do eixo interno emocional do outro, com entusiasmo e um referencial positivo do que pode acontecer no futuro", diz o lama.

A compaixão verde é a do grito, da bronca, do basta. "Quando gritamos 'Não faça isso!', nós interrompemos uma ação negativa, para bem da pessoa. Isso também é compaixão", afirma o lama Samten. A psicóloga paulista Maria Cândida Amaral afirma que isso é muito comum entre as famílias. "A compaixão pode ser exercida com brabeza, com emoção. E isso não tem nada a ver com sentimentos melosos", diz. Uma mãe pode fazer isso com o coração apertado, mas sabe que tem de fazer e que, ao se omitir, cometerá uma falha na educação dos seus filhos.

A última forma de compaixão, segundo prega o budismo, é a branca. "Nela oferecemos nossa própria natureza essencial, que é luminosa, amorosa e compassiva. Porque ainda que eu acolha com ternura, ainda que propicie meios, ainda que procure despertar a coragem da pessoa e que impeça sua negatividade, se não oferecer amor, todas as outras formas de compaixão ficam quase sem sentido", conclui o lama.

Curar, aliviar, sentir

Bom, vimos que esse sentimento pode ser vivenciado por qualquer um e que, para ser experimentado de uma maneira mais continuada, exige equilíbrio interno e, talvez, uma preparação. O budismo, mais uma vez, oferece um método excelente para esse treino: a meditação tong-len. Nessa prática, você inspira todas as dores e sofrimentos do outro, que às vezes passa pela mesma dor que você, para expirar esperança, alívio, amor e alegria. Quando praticamos o tong-len, fazemos um trabalho intenso com o ego, pois temos uma resistência natural a inspirar o sofrimento alheio. Até chegar um momento em que isso não tem mais importância.

A gerente administrativa Maria de Lurdes Assunção Ferrari, por exemplo, perdeu o filho de 21 anos num acidente de automóvel e fez a prática para se recuperar da própria dor. "Meu sofrimento era tão imenso que minha única saída era me irmanar com quem passava por isso. Inspirava a dor de todas as mães do mundo que tinham perdido um filho e expirava aceitação, paz, alívio", conta. O sofrimento passa a fazer parte de um todo, não é mais apenas individual e tão pesado. Ao fazer a prática pelas mães que perderam seus filhos, Maria de Lourdes também a realizava por si mesma: a aceitação e a serenidade que desejava às outras mulheres aos poucos foi tomando conta de seu próprio coração.
Também podemos fazer o tong-len por nós mesmos. Aliás, essa é a melhor maneira de começar: inspirando todos os nossos sofrimentos e mágoas e expirando purificação, alívio e perdão. Simon Luna, um dos maiores instrutores da tradição Shambhala, ensinava que podemos aprender a curar a criança ferida que temos em nosso coração com a prática do tong-len, inspirando sua dor e expirando acolhimento, carinho, ternura num cálido abraço. Pois quem mais precisa de amor e compaixão, nos passos iniciais desse longo caminho, somos, afinal de contas, nós mesmos
Liane Alves

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